Plenário
Resolução 135/2011 do CNJ e
uniformização de procedimento administrativo disciplinar - 16
O Plenário concluiu julgamento de referendo em medida cautelar
em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada, pela Associação dos
Magistrados Brasileiros - AMB, contra a Resolução 135/2011, do Conselho
Nacional de Justiça - CNJ. O diploma adversado dispõe sobre a uniformização de
normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos
magistrados, acerca dos ritos e das penalidades, e dá outras providências — v.
Informativo 653. Na presente assentada, negou-se, por maioria, referendo à cautelar
quanto aos §§ 3º, 7º, 8º e 9º da cabeça do art. 14; aos incisos IV e V da
cabeça do art. 17; e ao § 3º do art. 20 do ato questionado (“Art. 14. Antes
da decisão sobre a instauração do processo pelo colegiado respectivo, a
autoridade responsável pela acusação concederá ao magistrado prazo de quinze
dias para a defesa prévia, contado da data da entrega da cópia do teor da
acusação e das provas existentes ... § 3º O Presidente e o Corregedor terão
direito a voto ... § 7º O relator será sorteado dentre os magistrados que
integram o Pleno ou o Órgão Especial do Tribunal, não havendo revisor. § 8º Não
poderá ser relator o magistrado que dirigiu o procedimento preparatório, ainda
que não seja mais o Corregedor. § 9º. O processo administrativo terá o prazo de
cento e quarenta dias para ser concluído, prorrogável, quando imprescindível
para o término da instrução e houver motivo justificado, mediante deliberação
do Plenário ou Órgão Especial ... Art. 17 Após, o Relator determinará a citação
do Magistrado para apresentar as razões de defesa e as provas que entender
necessárias, em 5 dias, encaminhando-lhe cópia do acórdão que ordenou a
instauração do processo administrativo disciplinar, com a respectiva portaria,
observando-se que: ... IV - considerar-se-á revel o magistrado que,
regularmente citado, não apresentar defesa no prazo assinado; V - declarada a
revelia, o relator poderá designar defensor dativo ao requerido, concedendo-lhe
igual prazo para a apresentação de defesa ... Art. 20 ... § 3º O Presidente e o
Corregedor terão direito a voto”).
ADI 4638 Referendo-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 8.2.2012.
(ADI-4638)
Resolução 135/2011 do CNJ e
uniformização de procedimento administrativo disciplinar - 17
A Min. Rosa Weber reiterou que o redesenho do Poder Judiciário
promovido pela EC 45/2004 imporia releitura sistemática das normas
constitucionais e infraconstitucionais envolvidas nesta ação, inclusive a Lei
Orgânica da Magistratura Nacional - Loman, à luz do novo paradigma instituído a
partir da criação do CNJ. Assim, tendo em conta a regra de transição do art.
5º, § 2º, da referida emenda, a qual embasaria a Resolução 135/2011, asseverou
que, enquanto não editado o Estatuto da Magistratura, a uniformização das
regras referentes aos procedimentos administrativos disciplinares aplicáveis
aos juízes representaria conditio sine qua non à plena efetividade da
missão institucional do Conselho. O Min. Ayres Britto destacou que esse órgão
seria um aparato do Poder Judiciário situado na cúpula da organização
judiciária do país, a conferir peculiaridade federativa ao aludido poder. Além
disso, exerceria quarta função estatal, a saber, a de controle preventivo,
profilático e corretivo. Consignou, ainda, que o art. 96, I, a, da CF
referir-se-ia a norma geral para todo e qualquer processo, ao passo que o art.
14 da resolução impugnada seria de cunho especial, de âmbito peculiarmente
disciplinar. Frisou que o controle entregue, pela EC 45/2004, aos cuidados do
CNJ exigiria interpretação sistemática, para que esse órgão administrativo não
se opusesse aos tribunais. O Min. Gilmar Mendes reputou que o preceito apenas
estabeleceria modelo correcional pertencente ao CNJ como órgão de cúpula, sem
que houvesse comprometimento do modelo federativo ou da autonomia do
Judiciário.
ADI 4638 Referendo-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 8.2.2012.
(ADI-4638)
Resolução 135/2011 do CNJ e
uniformização de procedimento administrativo disciplinar - 18
Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Ricardo
Lewandowski, Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente, que referendavam a
liminar por entenderem não ser permitido ao CNJ, via resolução, criar, em
processo disciplinar dos tribunais, novos procedimentos e definir quem
participaria do julgamento. Assinalavam que o art. 14, caput, do
preceito reproduziria o conteúdo do art. 27 da Loman, a implicar sobreposição
passível de surtir efeitos normativos ou causar confusão caso esta fosse
alterada. Vencido, também, o Min. Luiz Fux, que a referendava parcialmente para
fixar o prazo de 140 dias a fim de que as corregedorias locais apurassem os
fatos que chegassem ao seu conhecimento e, superado este, caberia a intervenção
do CNJ, sem prejuízo da verificação da responsabilidade daquelas. Explicitava
que o mencionado prazo seria formado a partir da soma de 60 dias previstos no
art. 152 da Lei 8.112/90 com a sua prorrogação por idêntico período, acrescido
de 20 dias para o administrador competente decidir o procedimento
administrativo disciplinar, consoante o art. 167 do mesmo diploma.
ADI 4638 Referendo-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 8.2.2012.
(ADI-4638)
Resolução 135/2011 do CNJ e
uniformização de procedimento administrativo disciplinar - 19
No que concerne ao § 1º do art. 15 (“O afastamento do
Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal
antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário
ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar”), o Colegiado
referendou, também por votação majoritária, a liminar concedida. Aduziu-se
tratar-se de nova hipótese cautelar de afastamento de magistrado do cargo.
Realçou-se que eventual restrição às garantias da inamovibilidade e da
vitaliciedade exigiria a edição de lei em sentido formal e material, sob pena
de ofensa aos princípios da legalidade e do devido processo. Ademais, a própria
Loman preveria essa medida quando da instauração de processo administrativo
disciplinar ou do recebimento de ação penal acusatória (artigos 27, § 3º, e
29). O Min. Celso de Mello lembrou que o tema diria respeito à reserva de
jurisdição. Vencida a Min. Rosa Weber, que denegava a pretensão ao fundamento
de que, em cognição sumária, o controle da observância dos deveres funcionais
dos magistrados estaria compreendido na competência do CNJ de editar normas de
caráter primário para regrar suas atribuições.
ADI 4638 Referendo-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 8.2.2012.
(ADI-4638)
Resolução 135/2011 do CNJ e
uniformização de procedimento administrativo disciplinar - 20
Na sequência, relativamente ao parágrafo único do art. 21 (“Na
hipótese em que haja divergência quanto à pena, sem que se tenha formado
maioria absoluta por uma delas, será aplicada a mais leve, ou, no caso de duas
penas alternativas, aplicar-se-á a mais leve que tiver obtido o maior número de
votos”), o Tribunal, por maioria, deu interpretação conforme a Constituição
para entender que deve haver votação específica de cada uma das penas
disciplinares aplicáveis a magistrados até que se alcance a maioria absoluta dos
votos, conforme preconizado no art. 93, VIII, da CF. Salientou-se que essa
solução evitaria que juízo condenatório fosse convolado em absolvição ante a
falta de consenso sobre qual a penalidade cabível. O Min. Ayres Britto
enfatizou que a norma seria operacional e consagraria uma atenuação punitiva.
Vencidos os Ministros relator, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que, por
considerarem linear o critério referente à maioria absoluta, concluíam que o
CNJ não poderia dispor, em sede meramente administrativa, sobre a questão e
atuar de forma aleatória escolhendo a penalidade mais benéfica para o envolvido
no processo. Registravam que a proposta olvidaria o voto médio. Por fim, o
Supremo deliberou autorizar os Ministros a decidirem monocraticamente a matéria
em consonância com o entendimento firmado nesta ação direta de
inconstitucionalidade, contra o voto do Min. Marco Aurélio.
ADI 4638 Referendo-MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 8.2.2012.
(ADI-4638)
CNJ: dispensa de sindicância e
interceptação telefônica - 4
Em conclusão, o Plenário, por maioria, denegou mandado de
segurança impetrado por juíza de direito contra decisão do CNJ que, nos autos
de reclamação disciplinar, determinara a instauração de processo administrativo
em seu desfavor, bem como em relação a outros juízes, desembargadores e
servidores do tribunal de justiça local. A impetrante requeria a declaração de
nulidade da decisão impugnada, com o consequente arquivamento do processo.
Sustentava, em síntese, que: a) o julgamento teria sido presidido por
conselheiro do CNJ; b) o processo administrativo estaria fundado em escutas
telefônicas autorizadas por juízo incompetente, as quais seriam oriundas de
inquérito cujo objeto seria distinto das supostas irregularidades a ela
atribuídas; e c) o CNJ obstara o processamento de sindicância no âmbito da
Corte estadual — v. Informativo 619.
MS 28003/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão
Min. Luiz Fux, 8.2.2012. (MS-28003)
CNJ: dispensa de sindicância e
interceptação telefônica - 5
Preliminarmente, reconheceu-se a competência do STF para o
exame da matéria e a possibilidade de o Presidente do CNJ delegar a sua
atribuição de presidir as sessões plenárias e de se licenciar (RICNJ, artigos
3º, 4º, III, IV, XXVI, 5º, 6º, IV, e 23, I). Acrescentou-se, inclusive,
alteração regimental para permitir ao Vice-Presidente do Supremo substituir o
Presidente do CNJ. Ressaltou-se, todavia, que, na época do julgamento da
reclamação disciplinar, esta regra ainda não estaria em vigor. Anotou-se que a
exigência constitucional de que o Presidente do STF, em sua condição
institucional de Presidente do CNJ, fosse substituído em seus impedimentos e
ausências eventuais pelo Vice-Presidente do STF teria surgido com a redação da
EC 61/2009. No ponto, em obiter dictum, o Min. Luiz Fux, ao invocar o
princípio da segurança jurídica, vislumbrou a possibilidade de modulação dos
efeitos da decisão, com a finalidade de preservar-se a higidez dos atos
realizados pelo CNJ em sessões pretéritas presididas por conselheiro não
integrante do Supremo.
MS 28003/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão
Min. Luiz Fux, 8.2.2012. (MS-28003)
CNJ: dispensa de sindicância e
interceptação telefônica - 6
No mérito, aduziu-se competir ao CNJ o controle do cumprimento
dos deveres funcionais dos magistrados brasileiros, cabendo-lhe receber e
conhecer de reclamações contra membros do Poder Judiciário (CF, art. 103-B, § 4
º, III e V). Consignou-se que, tendo em conta o princípio da hermenêutica
constitucional dos “poderes implícitos”, se a esse órgão administrativo fora
concedida a faculdade de avocar processos disciplinares em curso, de igual
modo, poderia obstar o processamento de sindicância em tramitação no tribunal
de origem, mero procedimento preparatório. Ademais, realçou-se que, no caso, o
CNJ concluíra pela existência de elementos suficientes para a instauração de
processo administrativo disciplinar, com dispensa da sindicância. Rechaçou-se,
ainda, a alegação de invalidade da primeira interceptação telefônica.
Registrou-se que, na situação em apreço, a autoridade judiciária competente
teria autorizado o aludido monitoramento dos telefones de outros envolvidos em
supostas irregularidades em execuções de convênios firmados entre determinada
prefeitura e órgãos do governo federal. Ocorre que a impetrante teria mantido
contatos, principalmente, com o secretário municipal de governo, cujo número
também seria objeto da interceptação. Assim, quando das degravações das
conversas, teriam sido verificadas condutas da impetrante consideradas, em
princípio, eticamente duvidosas — recebimento de vantagens provenientes da
prefeitura —, o que ensejara a instauração do processo administrativo
disciplinar. Acresceu-se que a descoberta fortuita ou casual do possível
envolvimento da impetrante não teria o condão de qualificar essa prova como
ilícita. Dessa forma, reputou-se não ser razoável que o CNJ deixasse de apurar
esses fatos apenas porque o objeto da citada investigação criminal seria
diferente das supostas irregularidades imputadas à impetrante. Discorreu-se,
ademais, não poder o Judiciário, do qual o CNJ seria órgão, omitir-se no
tocante à averiguação de eventuais fatos graves que dissessem respeito à
conduta de seus magistrados, ainda que colhidos via interceptação de
comunicações telefônicas judicialmente autorizada em inquérito instaurado com o
fito de investigar outras pessoas e fatos diversos.
MS 28003/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão
Min. Luiz Fux, 8.2.2012. (MS-28003)
CNJ: dispensa de sindicância e
interceptação telefônica - 7
Por fim, ponderou-se — apesar da tese defendida por alguns
Ministros desta Corte no sentido da competência subsidiária do CNJ
relativamente a processos disciplinares instaurados para apurar condutas
funcionais de magistrados em seus tribunais de origem — que esse órgão já teria
apreciado o processo de outros magistrados, inclusive, de desembargadores
também envolvidos. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia o writ e
determinava a extinção do processo administrativo contra a juíza, haja vista a
redação constitucional à época, a qual apontaria a imposibilidade de o
Presidente do CNJ ser substituído por integrante de outro tribunal que não o
Supremo. Igualmente, aludia ilegítimo o CNJ tanto instaurar contra magistrada
processo administrativo, ante sua atuação subsidiária, quanto fazê-lo a partir
de prova emprestada.
MS 28003/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão
Min. Luiz Fux, 8.2.2012. (MS-28003)
ADC e Lei Maria da Penha - 1
O Plenário julgou procedente ação declaratória, ajuizada pelo
Presidente da República, para assentar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33
e 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Inicialmente, demonstrou-se a
existência de controvérsia judicial relevante acerca do tema, nos termos do
art. 14, III, da Lei 9.868/99, tendo em conta o intenso debate instaurado sobre
a constitucionalidade dos preceitos mencionados, mormente no que se refere aos
princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como à aplicação dos
institutos contidos na Lei 9.099/95. No mérito, rememorou-se posicionamento da
Corte que, ao julgar o HC 106212/MS (DJe de 13.6.2011), declarara a
constitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha (“Aos crimes praticados
com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena
prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”). Reiterou-se a ideia de que a aludida lei viera à
balha para conferir efetividade ao art. 226, § 8º, da CF. Consignou-se que o
dispositivo legal em comento coadunar-se-ia com o princípio da igualdade e
atenderia à ordem jurídico-constitucional, no que concerne ao necessário
combate ao desprezo às famílias, considerada a mulher como sua célula básica.
ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012. (ADC-19)
ADC e Lei Maria da Penha - 2
Aplicou-se o mesmo raciocínio ao afirmar-se a
constitucionalidade do art. 1º da aludida lei (“Esta Lei cria mecanismos
para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos
termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e
de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do
Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em
situação de violência doméstica e familiar”). Asseverou-se que, ao criar
mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica contra a
mulher e estabelecer medidas especiais de proteção, assistência e punição,
tomando como base o gênero da vítima, o legislador teria utilizado meio
adequado e necessário para fomentar o fim traçado pelo referido preceito
constitucional. Aduziu-se não ser desproporcional ou ilegítimo o uso do sexo
como critério de diferenciação, visto que a mulher seria eminentemente
vulnerável no tocante a constrangimentos físicos, morais e psicológicos
sofridos em âmbito privado. Frisou-se que, na seara internacional, a Lei Maria
da Penha seria harmônica com o que disposto no art. 7º, item “c”, da Convenção
de Belém do Pará (“Artigo 7. Os Estados Partes condenam todas as formas de
violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e
sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e
a empenhar-se em: ... c. incorporar na sua legislação interna normas penais,
civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para
prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as
medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis”) e com outros
tratados ratificados pelo país. Sob o enfoque constitucional, consignou-se que
a norma seria corolário da incidência do princípio da proibição de proteção
insuficiente dos direitos fundamentais. Sublinhou-se que a lei em comento
representaria movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres
agredidas o acesso efetivo à reparação, à proteção e à justiça. Discorreu-se
que, com o objetivo de proteger direitos fundamentais, à luz do princípio da
igualdade, o legislador editara microssistemas próprios, a fim de conferir tratamento
distinto e proteção especial a outros sujeitos de direito em situação de
hipossuficiência, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente -
ECA.
ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9..2.2012. (ADC-19)
ADC e Lei Maria da
Penha - 3
Reputou-se, por sua vez, que o art. 33 da lei em exame (“Enquanto não estruturados os Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão
as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes
da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as
previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual
pertinente”) não ofenderia os artigos 96, I, a, e 125, § 1º, ambos
da CF, porquanto a Lei Maria da Penha não implicara obrigação, mas faculdade de
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
conforme disposto nos artigos 14, caput, e 29, do mesmo diploma. Lembrou-se não
ser inédita no ordenamento jurídico pátrio a elaboração de sugestão, mediante
lei federal, para criação de órgãos jurisdicionais especializados em âmbito
estadual. Citou-se, como exemplo, o art. 145 do ECA e o art. 70 do Estatuto do
Idoso. Ressurtiu-se incumbir privativamente à União a disciplina do direito
processual, nos termos do art. 22, I, da CF, de modo que ela poderia editar
normas que influenciassem a atuação dos órgãos jurisdicionais locais.
Concluiu-se que, por meio do referido art. 33, a Lei Maria da Penha não
criaria varas judiciais, não definiria limites de comarcas e não estabeleceria
o número de magistrados a serem alocados nos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar. Apenas facultaria a criação desses juizados e atribuiria ao juízo da
vara criminal a competência cumulativa de ações cíveis e criminais envolvendo
violência doméstica contra a mulher, haja vista a necessidade de conferir
tratamento uniforme, especializado e célere, em todo território nacional, às
causas sobre a matéria.
ADC 19/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012. (ADC-19)
Lei Maria da Penha e ação penal
condicionada à representação - 1
Em seguida, o Plenário, por maioria, julgou procedente ação
direta, proposta pelo Procurador Geral da República, para atribuir
interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I; 16 e 41, todos da Lei
11.340/2006, e assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de
crime de lesão corporal, praticado mediante violência doméstica e familiar
contra a mulher. Preliminarmente, afastou-se alegação do Senado da República
segundo a qual a ação direta seria imprópria, visto que a Constituição não
versaria a natureza da ação penal — se pública incondicionada ou pública
subordinada à representação da vítima. Haveria, conforme sustentado, violência
reflexa, uma vez que a disciplina do tema estaria em normas
infraconstitucionais. O Colegiado explicitou que a Constituição seria dotada de
princípios implícitos e explícitos, e que caberia à Suprema Corte definir se a
previsão normativa a submeter crime de lesão corporal leve praticado contra a
mulher, em ambiente doméstico, ensejaria tratamento igualitário, consideradas
as lesões provocadas em geral, bem como a necessidade de representação.
Salientou-se a evocação do princípio explícito da dignidade humana, bem como do
art. 226, § 8º, da CF. Frisou-se a grande repercussão do questionamento, no
sentido de definir se haveria mecanismos capazes de inibir e coibir a violência
no âmbito das relações familiares, no que a atuação estatal submeter-se-ia à
vontade da vítima.
ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012. (ADI-4424)
Lei Maria da Penha e ação penal
condicionada à representação - 2
No mérito, evidenciou-se que os dados estatísticos no tocante à
violência doméstica seriam alarmantes, visto que, na maioria dos casos em que
perpetrada lesão corporal de natureza leve, a mulher acabaria por não
representar ou por afastar a representação anteriormente formalizada. A
respeito, o Min. Ricardo Lewandowski advertiu que o fato ocorreria,
estatisticamente, por vício de vontade da parte dela. Apontou-se que o agente,
por sua vez, passaria a reiterar seu comportamento ou a agir de forma mais
agressiva. Afirmou-se que, sob o ponto de vista feminino, a ameaça e as
agressões físicas surgiriam, na maioria dos casos, em ambiente doméstico.
Seriam eventos decorrentes de dinâmicas privadas, o que aprofundaria o
problema, já que acirraria a situação de invisibilidade social. Registrou-se a
necessidade de intervenção estatal acerca do problema, baseada na dignidade da
pessoa humana (CF, art. 1º, III), na igualdade (CF, art. 5º, I) e na vedação a
qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (CF,
art. 5º, XLI). Reputou-se que a legislação ordinária protetiva estaria em
sintonia com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência
contra a Mulher e com a Convenção de Belém do Pará. Sob o ângulo
constitucional, ressaltou-se o dever do Estado de assegurar a assistência à
família e de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações. Não seria razoável ou proporcional, assim, deixar a atuação estatal a
critério da vítima. A proteção à mulher esvaziar-se-ia, portanto, no que
admitido que, verificada a agressão com lesão corporal leve, pudesse ela,
depois de acionada a autoridade policial, recuar e retratar-se em audiência
especificamente designada com essa finalidade, fazendo-o antes de recebida a
denúncia. Dessumiu-se que deixar a mulher — autora da representação — decidir
sobre o início da persecução penal significaria desconsiderar a assimetria de
poder decorrente de relações histórico-culturais, bem como outros fatores, tudo
a contribuir para a diminuição de sua proteção e a prorrogar o quadro de
violência, discriminação e ofensa à dignidade humana. Implicaria relevar os
graves impactos emocionais impostos à vítima, impedindo-a de romper com o
estado de submissão.
ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012.
(ADI-4424)
Lei Maria da Penha e ação penal
condicionada à representação - 3
Entendeu-se não ser aplicável aos crimes glosados pela lei
discutida o que disposto na Lei 9.099/95, de maneira que, em se tratando de
lesões corporais, mesmo que de natureza leve ou culposa, praticadas contra a
mulher em âmbito doméstico, a ação penal cabível seria pública incondicionada.
Acentuou-se, entretanto, permanecer a necessidade de representação para crimes
dispostos em leis diversas da 9.099/95, como o de ameaça e os cometidos contra
a dignidade sexual. Consignou-se que o Tribunal, ao julgar o HC 106212/MS (DJe
de 13.6.2011), declarara, em processo subjetivo, a constitucionalidade do art.
41 da Lei 11.340/2006, no que afastaria a aplicação da Lei dos Juizados
Especiais relativamente aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar
contra a mulher, independentemente da pena prevista.
ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012.
(ADI-4424)
Lei Maria da Penha e ação penal
condicionada à representação - 4
Vencido o Min. Cezar Peluso, Presidente. Aduzia que o
legislador não poderia ter sido leviano ao estabelecer o caráter condicionado
da ação penal. Afirmava que eventual existência de vício de vontade da mulher
ofendida, ao proceder à retratação, não poderia ser tida como regra. Alertava
para a possibilidade de intimidação da mulher em levar a notícia-crime, por
saber que não poderia influir no andamento da ação penal, assim como para a
excepcionalidade de os crimes serem noticiados por terceiros. Assinalava que
a mera incondicionalidade da ação penal não constituiria impedimento à
violência familiar, entretanto acirraria a possibilidade dessa violência, por
meio de atitudes de represália contra a mulher. Asseverava, por fim, que a
decisão do Tribunal estaria concentrada na situação da mulher — merecedora de
proteção por parte do ordenamento jurídico —, mas se deveria compatibilizar
esse valor com a manutenção da situação familiar, a envolver outros entes.
ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012.
(ADI-4424)
Primeira Turma
HC: vista ao “parquet” após defesa
prévia e nulidade
A 1ª Turma indeferiu habeas corpus em que alegada
nulidade em virtude de abertura de vista ao Ministério Público após a juntada
de defesa prévia. Na espécie, o paciente fora denunciado pela prática de
calúnia (CP, art. 138), com a causa de aumento de pena prevista no art. 141,
II, do CP (“contra funcionário público, no exercício das funções”). A
defesa prévia fora apresentada com novos documentos com o fito de demonstrar a
improcedência da persecução criminal. Após, o juízo instara a acusação a
manifestar-se sobre essa peça apresentada e acerca dos documentos que a
acompanharam. Cumprida a diligência, o magistrado recebera a denúncia, sem
antes intimar o acusado para ciência da petição apresentada pelo órgão
ministerial e, ato contínuo, designara audiência de instrução. De
início, rememorou-se que a defesa prévia manejada nos termos do art. 396 do CPP
[“Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o
juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do
acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias”]
não se confundiria com defesa preliminar, anterior ao recebimento da acusação,
estabelecida em procedimentos como os das Leis 8.038/90, 9.099/95 ou
11.343/2006. Em seguida, asseverou-se que, no caso, o juízo teria intimado o Ministério
Público para pronunciar-se quanto à sequência da ação penal. Ademais,
reputou-se descabido transportar para essa fase processual a ordem alusiva às
alegações finais, momento em que seria impossível a inversão da ordem prevista
em lei. Sublinhou-se que, apresentada defesa prévia em que articuladas, até
mesmo, preliminares, seria cabível a audição do parquet para se definir
sobre o prosseguimento da ação penal.
HC 105739/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 7.2.2012.
(HC-105739)
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