GRUPO II – CLASSE V – Plenário - TC-026.069/2008-4
Natureza: Relatório de Acompanhamento Órgão: Secretaria do Tesouro Nacional - STN Interessado: Tribunal de Contas da União Advogado constituído nos autos: não há
SUMÁRIO: ACOMPANHAMENTO. SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. ALTERAÇÕES EM
PROCEDIMENTOS CONTÁBEIS APLICÁVEIS AO SETOR PÚBLICO. DETERMINAÇÕES. RECOMENDAÇÕES. CIÊNCIA AOS
INTERESSADOS. ARQUIVAMENTO.
RELATÓRIO
Tratam
os autos do acompanhamento realizado pela Semag com o objetivo de avaliar a legalidade
de alterações em procedimentos contábeis que provocaram impactos nos
demonstrativos contábeis exigidos pela Lei n° 4.320/64, bem como das
Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público.
2. O relatório de
fls. 86/113 apontou as seguintes alterações nos procedimentos contábeis
promovidas pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN:
- alterações na
contabilização das receitas fonte tesouro;
- registro de passivo sem
lastro orçamentário;
- alteração da rotina de
inscrição de restos a pagar não processados;
- alteração na rotina de
suprimento de fundos;
- alteração na rotina de
folha de pessoal;
- alteração da forma de
contabilização do resultado do exercício dos fundos.
3. A equipe de
acompanhamento da unidade técnica também mencionou alterações que, à época,
encontravam-se sob estudos da STN, com destaque para o estabelecimento do
regime de competência para o reconhecimento de receitas e despesas.
4. Em linhas gerais
a equipe de acompanhamento atestou a legalidade da maioria das alterações
promovidas na contabilidade pública pela STN, exceção feita à rotina que conduz
à retificação no Balanço Patrimonial dos valores inscritos em restos a pagar
não processados. Assinalou, também, que a adoção do regime de competência para
reconhecimento da receita pública não encontra amparo na Lei n° 4.320/64,
que estabelece o momento da arrecadação para reconhecimento das receitas
(regime de caixa), com única exceção para os créditos inscritos em dívida
ativa, que devem ser reconhecidos após o transcurso do prazo para pagamento.
“8.1 As
alterações que afetam tão somente rotinas de registro no SIAFI em nada
contrariam as normas de Direito Financeiro e estão abrangidas pela competência
do órgão central do Sistema de Contabilidade Federal. Assim, o registro da
conta financeira da receita (conta 4xxxx.xx.xx) na unidade arrecadadora, as
novas rotinas de folha de pagamento e de suprimento de fundos, bem como a
alteração na contabilização do resultado dos fundos são mudanças destinadas a
melhorar as informações das demonstrações financeiras e a confiabilidade e
integridade dos registros.
8.2 O reconhecimento de passivos oriundos de
despesas sem dotação orçamentária não fere a vedação constituição-legal de
realização de despesa ou assunção de obrigações que excedam os créditos
orçamentários ou adicionais, vez que não é o registro contábil que está vedado
e sim o ato que o origina. O art. 50, inc. II, da Lei Complementar nº 101/2000
e também o art. 28 da Lei nº 11.514/2007 (LDO) determinam expressamente o
reconhecimento dessas operações pelo regime de competência que,
independentemente de suporte orçamentário, devem ser integralmente registradas
pela contabilidade.
8.3 Há, porém, alterações que já foram
implementadas pela STN, mas que deverão ser desfeitas, vez que vão de encontro
a dispositivos legais. Pelos mesmos motivos, outras alterações cujas
implementações estão programadas para a partir de 2009 não poderão ser postas
em prática.
8.4 A exclusão dos restos a pagar não
processados do passivo total não poderá mais ser realizada e a rotina de
registro terá que retornar à forma anterior. Segundo o art. 35 do Decreto nº
93.872/86, tais restos a pagar decorrem de compromissos já assumidos pelo ente
público para com terceiros ou representam contratos já celebrados em que
emergem simultaneamente tanto um direito da administração pública relativo a
entrega de bens ou a prestação de serviços, quanto uma obrigação daquela para
com o contratado. Esses contratos são
denominados pela doutrina contábil de contratos
de compensação unilateral. Além disso, parte dos empenhos inscritos em RP
não processados (cerca de 43% em 2006), relativos a despesas com pessoal,
juros, amortizações e outras despesas de custeio, caracterizam-se mesmo como
efetivas provisões para pagamento no exercício seguinte.
8.5 A Lei nº 4.320/64 estabelece que os restos
a pagar, sem qualquer distinção, compõem a dívida flutuante e esta, o passivo
total do ente público. A própria inscrição de um empenho em restos a pagar não
processados é uma demonstração de que a administração pública pretende e espera
que o desembolso venha a ocorrer no exercício seguinte. A permanência dos RPs
não processados no passivo atende ao objetivo maior da contabilidade: a
evidenciação. É informação de inquestionável relevância para os usuários das
demonstrações financeiras, pois influenciam na análise do fluxo de caixa futuro
da entidade. Os princípios da prudência e da oportunidade também exigem o reconhecimento
dessas exigibilidades.
8.6 A Lei nº 4.320/64 também veda, no art. 39,
a adoção do regime de competência para a receita e estabelece, no art. 35, o
reconhecimento no momento da arrecadação. A LRF exige o registro pelo regime de
competência somente para as despesas e obrigações, não para as receitas.
Ademais, o registro por competência de tributos em que se opera o lançamento
por homologação fica impossibilitado em vista da necessária individuação do
devedor e respectiva importância para escrituração dos respectivos créditos,
conforme dispõe o art. 88 da Lei nº 4.320/64.
8.7 Por fim, é preciso destacar que ao se
decidir pela convergência da contabilidade pública nacional aos padrões
orientados por organismos internacionais, deve-se antes proceder com as devidas
alterações na legislação vigente, especialmente na Lei nº 4.320/64, a exemplo
do que ocorreu com a contabilidade comercial, sem o que, não poderá o órgão
central do Sistema de Contabilidade Federal, a STN, dar seguimento em muitas
das mudanças propostas ou já implementadas.”
6. Ante o exposto, a equipe de
acompanhamento da Semag propôs que o Tribunal expeça determinações e
recomendações à Secretaria do Tesouro Nacional – STN, a fim de corrigir as
falhas apontadas nos autos (fls. 112/113). O Diretor da 1ª DT manifestou-se de
acordo com o encaminhamento sugerido pela instrução (fls. 114/129).
7. Antes de qualquer deliberação
quanto ao mérito, e acolhendo a proposta do titular da Semag, determinei que
cópias da instrução (fls. 86/113), do despacho do Sr. Diretor
(fls. 114/129) e do Sr. Secretário (fls. 130/131), fossem encaminhadas à
Secretaria do Tesouro Nacional – STN e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
– PGFN, para que se manifestassem a respeito dos aspectos contábeis e jurídicos
tratados nos autos (fl. 132).
8. As considerações
encaminhadas pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN (Nota Técnica nº
376/2009/CCONT/STN, de 18/3/2009, fls. 161/178) e pela Procuradoria Geral da
Fazenda Nacional – PGFN (Ofício nº 597/PGFN/PGA, de 20/3/2009, fls. 137/160),
foram detidamente analisadas no âmbito da Semag. Da instrução resultante (fls.
179/237), transcrevo a seguir o resumo e as conclusões:
“(...)
19 - RESUMO
19.1 No Brasil, o nível de evidenciação
contábil se enquadra no modelo Europeu-Continental (code law), em razão da exigência de lei para normatizar padrões
contábeis. Para a contabilidade do setor privado, porém, a Lei nº 11.638/2007
aprovou medidas que buscam a migração do modelo Europeu-Continental para o
Anglo-Saxão, permitindo que a CVM elabore normas contábeis para as companhias
abertas, tendo como parâmetro os padrões internacionais de contabilidade.
19.2 No setor público, contudo, o processo de
harmonização das normas da Contabilidade Pública com as do setor privado e as
internacionais vem ocorrendo, de forma equivocada, por meio da edição, pela
STN, de atos normativos secundários ilegítimos, tendo como justificativa
“competência normativa” que lhe fora atribuída pela Lei nº 10.180/01.
19.3 Com o objetivo de restringir a
subjetividade dos critérios de reconhecimento de receitas e despesas e da
mensuração de ativos e passivos, a teoria contábil construiu os “princípios
contábeis”, dentre os quais o da “competência” e o da “prudência”. Além dos
princípios contábeis, entre os quais não há hierarquia, a ciência contábil
apresenta, ainda, os “postulados” e “convenções”, hierarquicamente superiores e
inferiores aos princípios contábeis, respectivamente.
19.4 Nesse
sentido, pela letra da Lei 4.320/64, fica clara a intenção do legislador em
privilegiar o princípio da “prudência” em detrimento do princípio da
“competência”, de tal modo que só uma nova lei poderá alterar tal escolha.
19.5 A
Lei nº 4.320/64 estabeleceu em seu artigo 35 que a despesa, na ótica
patrimonial e orçamentária, seria registrada pelo empenho. No entanto, com o
artigo 50, § 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, o regime contábil da
despesa, sob o enfoque patrimonial, passou a ser o da “competência”. Assim, as
despesas passaram a ser registradas, reduzindo o patrimônio líquido, não mais
no momento do empenho, mas no momento da ocorrência do fato gerador. O empenho,
então, tornou-se ato de natureza meramente orçamentária.
19.6 Na
ótica orçamentária, os estágios da despesa são o empenho, a liquidação e o
pagamento. Na ótica patrimonial, os estágios são o fato gerador e o pagamento.
“Restos a pagar” é a despesa orçamentária que, encerrado o exercício, já
percorreu o estágio do empenho, mas ainda não percorreu o estágio do pagamento.
Como entre o empenho e o pagamento existe a liquidação, “restos a pagar
processados” são as despesas que já passaram pela liquidação e “restos a pagar não processados” são aquelas que ainda
não passaram pela liquidação.
19.7 Colocando
em paralelo os estágios da despesa dos ambientes orçamentário e patrimonial, é
possível criar o conceito de “RPñp exigível” e o de “RPñp não exigível”. “RPñp
exigível” é aquele que já passou pelo estágio do fato gerador. “RPñp não
exigível” é aquele que ainda não passou pelo estágio do fato gerador.
19.8 Em
regra, os empenhos não liquidados são anulados ao final do exercício, exceto se
o gestor público comprovar que se enquadram nos incisos do artigo 35 do Decreto
nº 93.872/86, inscrevendo-os em “RPñp”. Quando da análise do enquadramento dos
empenhos nos incisos, é possível avaliar se já passaram pelo fato gerador.
Sendo assim, os “RPñp exigíveis”
devem ser registrados como despesa sob o enfoque patrimonial. Se não for
possível avaliar se os empenhos passaram pelo estágio do fato gerador, em nome
do princípio da prudência, todos os “RPñp” devem ser considerados despesa sob a
ótica patrimonial.
19.9 A
STN, ao editar a Portaria nº 3/2008, determina, no artigo 6º, que todos os
entes da federação utilizarão o regime contábil da “competência” para o
registro de suas receitas. Referida alteração, porém, vai de encontro ao que
determina a Lei nº 4.320/64, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei nº
10.180/2001 e a própria Constituição Federal. Preserva, contudo, os aspectos
orçamentários da legislação.
19.10 A
Lei nº 4.320/64 é clara ao estabelecer distinção entre os ambientes
orçamentário e patrimonial. No entanto, referida distinção não pode ser
entendida como “completa independência” um do outro. Entre outros aspectos que
podem ser citados, o regime contábil da receita, por exemplo, tanto na ótica
patrimonial quanto na ótica orçamentária, é o mesmo, qual seja o de “caixa”,
como demonstra o artigo 39 e o Anexo nº 15 (DVP – Demonstração das Variações
Patrimoniais) da Lei.
19.11 A
definição de patrimônio não é condição suficiente para que se infira qual o
regime contábil adotado para o registro das receitas, pelo contrário. É a
definição do regime contábil que determinará qual será a composição do
patrimônio e, conseqüentemente, como se dará a variação do patrimônio líquido.
Não é possível, pois, afirmar que a LRF, ao estabelecer que se evidencie a “variação do patrimônio líquido”,
determinou a adoção do regime de “competência” para as receitas, posto que o
conceito de patrimônio líquido é compatível tanto com o regime de “caixa” quanto com o de “competência”.
19.12 A
presença da expressão “créditos” em diversos pontos da Lei nº 4.320/64 também
não é condição suficiente para se inferir que o regime contábil da receita é o
da “competência”, uma vez que, tanto as entidades que escrituram suas receitas
pelo regime de “caixa” quanto as que escrituram pelo regime de “competência”,
possuem, em seus ativos, contas representativas de “créditos”. A única
diferença é que, nas entidades que adotam o regime de “caixa”, os “créditos”
decorrentes de operações modificativas do patrimônio líquido, como é o caso dos
“tributos a receber”, não são registrados.
19.13 Em
regra, como estabelece o artigo 35 da Lei nº 4.320/64, as receitas são
registradas, pela ótica patrimonial, quando são efetivamente arrecadadas. O
artigo 39 da referida lei, porém, estabelece exceção à regra, determinando que,
caso os créditos da fazenda pública não sejam arrecadados até o prazo
estabelecido, a receita seja escriturada mediante a inscrição da dívida ativa,
que representa, na realidade, o registro de um “direito” para o ente público.
19.14 A
DVP – Demonstração das Variações Patrimoniais é o Anexo nº 15 da Lei 4.320/64 e
evidencia as variações ativas e passivas ocorridas no patrimônio do ente
público. Ou seja, evidencia em que momento são registradas as variações
patrimoniais, sejam elas de caráter meramente qualitativo ou as de caráter
modificativo.
19.15 A
tese defendida pela STN não é compatível com a DVP, uma vez que, se aplicada a
lógica do referido demonstrativo, a inscrição da dívida ativa representará
dupla contagem de receitas. Referida incoerência ocorre em virtude de que, pela
tese da STN, a receita já foi escriturada quando da ocorrência do fato gerador,
devendo ser novamente escriturada quando da inscrição em dívida ativa.
19.16 A
interpretação correta da lógica da DVP é a de que as variações patrimoniais
aumentativas (receitas) só podem ser registradas no momento em que ocorrer a
efetiva arrecadação dos recursos, ou seja, quando houver a receita
orçamentária. Nesse sentido, a DVP não apresenta qualquer item que possa ser
utilizado para o registro de “créditos” oriundos da ocorrência de fatos
geradores de tributos. Pelo contrário, a DVP possui itens específicos para o
registro da receita (na ótica patrimonial) apenas quando ocorrer a entrada de
recursos (ótica orçamentária), além de conter entrada específica para,
excepcionalmente, se for o caso, escriturar a receita quando da inscrição da
dívida ativa.
19.17 De
acordo com a PGFN, a prudência adotada pelo legislador refere-se apenas ao
aspecto orçamentário da lei. No entanto, conforme positivado na Lei nº
4.320/64, a prudência adotada pelo legislador refere-se aos ambientes
orçamentário e também ao patrimonial, entendimento esse corroborado pelo
Professor Lino Martins da Silva, Ex-Controlador-Geral do Município do Rio de
janeiro e eminente professor da Faculdade de Administração e Finanças da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
19.18 De
acordo com referido Professor, in verbis,
“ao aprofundar os estudos no reconhecimento
das receitas e despesas do setor público deve-se considerar suas
especificidades, vez que a gestão governamental está voltada para uma entidade
sem fins lucrativos”. Complementa, ainda, informando, in verbis, que: “sem dúvida,
os critérios de reconhecimento de receitas e despesas no Brasil são
ultra-conservadores”.
19.19 No
âmbito da administração pública, os procedimentos adotados pelas suas entidades
devem seguir o princípio da legalidade. A PGFN entende, no entanto, que a
obediência estrita do princípio da legalidade deve ater-se aos casos em que a
STN cumpre norma positiva. Porém, quando couber à STN a elaboração de normas
infralegais, poderá ela utilizar de margem para a interpretação das leis. No
entanto, ficou demonstrado que, em princípio, a STN, quando da edição da
Portaria nº 3/2008, exorbitou da competência que lhe foi atribuída pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, a ponto de sua conduta ultrapassar o campo da
interpretação e manifestar-se no campo da inovação do ordenamento jurídico.
19.20 A
STN é o órgão central de contabilidade da União. Analogamente, aplicando-se a
simetria, pode-se afirmar que cada ente da federação possui o seu próprio órgão
central de contabilidade. À STN compete, de acordo com o artigo 18 da Lei nº
10.180/2001, estabelecer normas e procedimentos para registro contábeis das
entidades da Administração Pública Federal, consolidar balanços dos entes da
federação e promover a integração, em assuntos de contabilidade, com os demais
Poderes e esferas de governo.
19.21 A
Lei de Responsabilidade Fiscal enumera no artigo 67 as atribuições do conselho
de gestão fiscal, dentre elas a de adoção de normas de consolidação das contas
públicas. Porém, enquanto não for criado tal conselho, cabe à STN o papel de
editar normas gerais de consolidação das contas públicas. Assim, afirma-se que:
a) a STN não é o conselho de gestão fiscal; b) a STN executa, de forma
temporária, papel atribuído pela LRF ao conselho de gestão fiscal; e c) a STN
não se reveste, quando da edição de tais normas, dos atributos de órgão central
do sistema de contabilidade da União.
19.22 A
edição de normas gerais de consolidação das contas públicas está submetida aos
limites estabelecidos pelas normas gerais de direito financeiro. A edição de
normas gerais de direito financeiro, por sua vez, deve ser estabelecida por
intermédio de lei complementar. A Constituição Federal não atribuiu à STN, nem
ao conselho de gestão fiscal, iniciativa para dar início a processo legislativo
destinado a aprovar matéria de lei complementar. Assim, ter competência para
editar normas de consolidação das contas públicas não é ter competência para
estabelecer norma geral de direito financeiro, pois implicaria dar ao conselho
de gestão fiscal competência legislativa complementar.
19.23 Em
2008, a STN/SOF editaram Portaria Conjunta nº 3/2008, que, por intermédio do
artigo 6º, tenta alterar norma de direito financeiro estabelecida na Lei nº
4.320/64. No mesmo instrumento, determina que referida alteração seja seguida
em todos os entes da federação. De acordo com Celso Antonio bandeira de Mello, in verbis, “se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que, por
ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão fazê-lo atos
de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou resoluções. Se o Chefe do
Poder Executivo não pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebê-las
para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, menos ainda poderão
outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta”.
19.24 As
atualizações dos Anexos da Lei nº 4.320/64, permitidas pelo artigo 113 da
referida lei, restringem-se aos aspectos formais, não podendo ser efetuadas com
o objetivo de alterar conteúdo material da Lei 4.320/64, caso contrário, seria
atribuir à STN papel de legislador complementar.
19.25 As
normas de direito financeiro e de finanças públicas regulam um conjunto de
matérias cuja complexidade e extensão não se pode desprezar. A própria STN
possui referido entendimento, in verbis,
“a receita assume, na Administração
Pública, fundamental importância por estar envolvida em situações singulares,
como a sua distribuição e destinação entre as esferas governamentais e o seu
relacionamento com os limites legais impostos pela Lei de Responsabilidade
Fiscal.”
19.26 Por
isso, o constituinte determinou que tais normas fossem objeto de lei
complementar, pois, para que possam ser alteradas, é preciso maioria
qualificada, o que faz com que o legislador sobre elas se debruce com maior
rigor, de forma a que tais normas, nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira
Filho, “não sejam, nunca, o fruto da
vontade de uma minoria ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz”.
19.27 Estabelecer,
por intermédio da Portaria nº 3/2008, que a partir de determinado momento todos
os entes da federação deverão adotar o regime contábil da “competência” é
procedimento que, em princípio, não se coaduna com o rito processual
estabelecido pela Constituição para alteração de referida matéria, de conteúdo
essencialmente complementar.
19.28 A
STN informa que a alteração no regime contábil da receita não afeta as
estatísticas fiscais e a apuração do resultado fiscal dos entes da federação.
No entanto, não é possível concordar com tal posicionamento, uma vez que é a
escolha do regime contábil que determina a composição da Dívida Consolidada
Líquida – DCL, parâmetro adotado pelo Senado Federal para controle do
endividamento dos entes da federação. De forma reflexa, pois, o artigo 6º da
Portaria nº 3/2008, que altera o regime contábil da receita, altera a lógica
construída pelo Senado para o controle do endividamento dos entes federados.
19.29 Dado
que a alteração do regime contábil promove alterações na composição dos
“haveres financeiros”; dado que estes integram a DCL, parâmetro de controle do
endividamento; dado que o conceito de receita no ambiente fiscal está
relacionado, diretamente, à variação do saldo da DCL; então é possível afirmar
que as alterações promovidas pela STN, com a edição da citada Portaria,
modificaram os conceitos de receita utilizados no ambiente do resultado fiscal.
19.30 No
modelo idealizado pelo Senado Federal, os recursos só passam a compor a DCL,
reduzindo-a, quando efetivamente arrecadados. Com a alteração do regime
contábil, os “haveres financeiros” passarão a incorporar itens cujo valor será
registrado por estimativa, possibilitando que os entes federados controlem seu
endividamento líquido por intermédio de receitas “superestimadas”.
19.31 É
possível inferir, então, que as alterações do regime contábil da receita trarão
conseqüências no âmbito da gestão fiscal dos estados e dos municípios, tais
como: impossibilidade de se controlar a trajetória do endividamento; aumento
artificial da capacidade de endividamento; transferência de endividamento para
futuros gestores, sem o devido lastro financeiro; e redução do recebimento de
haveres financeiros a que a União tem direito, em decorrência do Programa de
Ajuste Fiscal, cujo montante, ao final do 3º quadrimestre de 2008, já havia
ultrapassado os R$ 400 bilhões.
19.32 A
STN, assim, no exercício temporário de função atribuída ao conselho de gestão
fiscal, atua de forma contrária aos objetivos do próprio conselho de gestão
fiscal, plasmados na LRF, entre eles, o de “disseminar
práticas que resultem no controle do endividamento”. No mesmo sentido, a
STN vai de encontro ao conceito de responsabilidade na gestão fiscal, qual
seja: prevenção de riscos e desvios que podem afetar as contas públicas,
mediante obediência a limites e condições para a dívida consolidada e a
contratação de operações de crédito.
19.33 A
PGFN informou em suas considerações que a Lei nº 4.320/64 separou
sistematicamente os dispositivos existentes na lei sobre a contabilidade e o
orçamento, entendendo que existiria o “reconhecimento
pelo legislador da distinção ora explorada pela STN para dar novo impulso à
contabilidade pública federal, por meio de novas rotinas de lançamentos
contábeis que, sem descumprir aqueles mandamentos explicitamente contidos na
lei, retira conseqüências novas de princípios consagrados do direito financeiro
e da contabilidade pública.”
19.34 No
entanto, embora baseie seus argumentos na eventual separação sistemática
estabelecida pela Lei nº 4.320/64, a STN acaba por se contradizer, quando, para
provar que o regime contábil da receita é o de “competência”, faz referência a
dispositivo plasmado na “parte orçamentária” da Lei. Sendo assim, a
interpretação sistemática utilizada pela STN é falha.
19.35 No
campo da interpretação da norma jurídica, a DVP (Anexo 15 da Lei nº 4.320/64)
funciona como interpretação autêntica e representa, de maneira inequívoca, a
vontade estabelecida, de forma original, pelo legislador, cuja determinação foi
no sentido de que as variações patrimoniais sejam registradas no instante em
que as receitas orçamentárias ocorrem.
19.36 A
DVP é, então, dentre as inúmeras possibilidades de interpretação que se possa
engendrar, aquela que representa, de forma límpida, a opção do legislador pela
prudência. Sendo assim, é preciso discordar veementemente das considerações
exaradas pela PGFN em relação ao posicionamento adotado pela SEMAG no Relatório
de Acompanhamento, in verbis: “parece-nos
um formalismo excessivo e desarrazoado impugnar rotinas voltadas ao cumprimento
de ambos os objetivos, com base em interpretação demasiado literal que não leva
em conta os aspectos sistemáticos e teleológicos da norma”.
20 – CONCLUSÕES
20.1 O
nível de evidenciação contábil utilizada no Brasil exige lei para normatizar padrões
contábeis, sendo que no setor público o processo de harmonização das normas de
contabilidade com as do setor privado e as internacionais vem ocorrendo, de
forma equivocada, por meio da edição de atos infralegais ilegítimos pela STN.
20.2 A
Lei nº 4.320/64 deixa clara a intenção do legislador em privilegiar o princípio
contábil da “prudência” em detrimento do princípio contábil da “competência”,
de tal modo que só uma nova lei poderá alterar tal escolha.
20.3 Com
a alteração promovida pelo artigo 50, § 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal,
o regime contábil da despesa, sob o enfoque patrimonial, passou a ser o da
“competência”, transformando o “empenho” em ato de natureza meramente
orçamentária.
20.4 “Restos
a pagar exigível” é aquele que já passou pelo estágio do fato gerador,
enquanto que “restos a pagar não processado não exigível” é aquele que
ainda não passou pelo estágio do fato gerador. Assim, o “restos a pagar exigível”
deve ser escriturado pela contabilidade como sendo despesas sob o enfoque
patrimonial.
20.5 Todos
os “restos a pagar”, exigíveis ou não, devem, em nome do princípio contábil da
“prudência”, ser escriturados como despesa sob a ótica patrimonial, caso as
rotinas e procedimentos estabelecidos pelo sistema de contabilidade da União
não sejam suficientes para que o gestor público avalie se os empenhos emitidos
já transcorreram o estágio patrimonial do “fato gerador”.
20.6 A
Lei nº 4.320/64 estabelece distinção entre os ambientes orçamentário e
patrimonial. No entanto, referida distinção não significa que tais ambientes
sejam completamente independentes um do outro. O regime contábil de “caixa”
para as receitas públicas, por exemplo, é o mesmo tanto para o orçamentário
quanto para o patrimonial, como demonstra o artigo 39 da Lei e seu Anexo nº 15
(DVP – Demonstração das Variações Patrimoniais).
20.7 A
escolha do regime contábil determina o momento em que o patrimônio da entidade
sofrerá variações e, conseqüentemente, determina sua composição.
20.8 O
Ativo das entidades que adotam o regime de “caixa” e o das que adotam o regime
de “competência” registram contas do tipo “créditos” ou “direitos”. No entanto,
para as entidades que adotam o regime de “caixa”, o nascimento de direitos
líquidos e certos, em virtude da ocorrência dos respectivos fatos geradores,
não é condição suficiente para que possam ser inscritos como um ativo da
entidade.
20.10 A
regra do regime de “caixa” das receitas está positivada no artigo 35 da Lei nº
4.320/64. O artigo 39 da referida lei, no entanto, é exceção à regra, e
estabelece que, ainda que não ocorra o pagamento, caso tenha sido ultrapassado
o prazo para efetivá-lo, o valor devido será registrado como um direito para a
administração pública, mediante inscrição do devedor em dívida ativa.
20.11 A
inscrição na dívida ativa é, pois, operação independente da execução
orçamentária e que, sob o enfoque patrimonial, deve ser registrada como
receita.
20.12 A
inscrição da dívida ativa, plasmada no artigo 39 da lei, não representa o
princípio contábil da “competência”. Além disso, deixa claro que, embora exista
a possibilidade de serem registrados ativos do tipo “créditos a receber” para
entidades cuja regra seja o regime de “caixa”, tais registros jamais podem ser
realizados antes de transcorrido o prazo para pagamento.
20.13 A
tese defendida pela STN é incompatível com a lógica da DVP – Demonstração das
Variações Patrimoniais, Anexo nº 15 da Lei nº 4.320/64, dado que o registro da
receita por “competência” implicaria a dupla contagem de receitas. De outro
lado, a lógica da DVP é compatível com o regime contábil de “caixa” para as
receitas, tanto na ótica orçamentária quanto na patrimonial
20.14 A
STN é o órgão central do sistema de contabilidade da União, não se confundindo
com o Conselho de Gestão Fiscal previsto no artigo 67 da Lei de
Responsabilidade Fiscal, do qual exerce, temporariamente, papel de editar
normas de consolidação das contas públicas.
20.15 Não
compete ao Conselho de Gestão Fiscal a iniciativa de leis complementares que
estabeleçam norma geral de Direito Financeiro, as quais devem dispor, entre
outros assuntos, sobre os aspectos contábeis aplicados ao setor público.
20.16 A
Portaria Conjunta nº 03/2008 tentou estabelecer normas relativas à matéria
pertinente a legislação complementar, colidindo, é o que parece, com a
Constituição da República, que determina rito processual complementar para
tratamento dos assuntos positivados nos artigos 2º e 6º do referido ato
normativo.
20.17 As
determinações exaradas pela Portaria Conjunta nº 03/2008 alteram a abrangência
da Dívida Consolidada Líquida, parâmetro estabelecido pelo Senado Federal,
mediante Resolução nº 40/2001, para o controle da trajetória do endividamento
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Conseqüentemente, também
alteram a forma como os entes da federação efetuam o cálculo do resultado
fiscal primário, posto que os conceitos a ele relacionados têm relação direta
com a variação do saldo da Dívida Consolidada Líquida.
20.18 Ao
assim proceder, a STN, exercendo papel atribuído ao Conselho de Gestão Fiscal,
atua de forma contrária aos princípios positivados no artigo 1º da Lei de
Responsabilidade Fiscal e em desacordo com uma das missões atribuídas pela LRF
ao próprio Conselho de Gestão Fiscal, qual seja: a de contribuir para o
controle do endividamento dos entes da federação.
20.19 A
DVP – Demonstração das Variações Patrimoniais, Anexo nº 15 da Lei nº 4.320/64,
representa interpretação autêntica elaborada pelo legislador, evidenciando que
as variações registradas no patrimônio público só podem ser escrituradas quando
da ocorrência das receitas orçamentárias. Une, assim, a ótica orçamentária e
patrimonial estabelecida pela Lei nº 4.320/64.”
9. Ante todo o exposto, o auditor que instruiu os autos
propôs ao Tribunal o seguinte encaminhamento (fls. 235/237):
“1. Firmar os seguintes
entendimentos:
1.1) no Brasil, as
normas contábeis editadas pelo órgão que fiscaliza a profissão contábil não
tem, no que se refere à contabilidade aplicada ao setor público, força de lei
(conforme item “2.8”).
1.2) os estágios do
empenho e da liquidação da despesa, sob o enfoque orçamentário, não se
confundem com o estágio do fato gerador da despesa, sob o enfoque patrimonial
(conforme item “3.9”).
1.3) restos a pagar
exigíveis são aqueles que já transcorreram, sob o enfoque patrimonial, o
estágio do fato gerador (conforme item “3.14”).
1.4) restos a pagar
não exigíveis são aqueles que não transcorreram, sob o enfoque patrimonial, o
estágio do fato gerador (conforme item “3.14”).
1.5) a análise dos
incisos I, II, III e IV do artigo 35 do Decreto nº. 93.872/86 implica análise,
em conjunto, da ocorrência ou não do estágio do fato gerador da despesa
(conforme item “3.19”).
1.6) o princípio
contábil da prudência determina que, na impossibilidade de verificação do
estágio do fato gerador, os empenhos não liquidados sejam classificados como
restos a pagar exigíveis, devendo ser considerados despesa, sob a ótica
patrimonial (conforme itens “3.20” e “3.23”).
1.7) no Brasil, à
luz da Lei nº 4.320/1964, o regime contábil das receitas, tanto no enfoque
orçamentário quanto no patrimonial, é o de “caixa” (conforme item “10.5”),
exceto quanto ao disposto no § 1º, do artigo 39, da Lei nº. 4.320/64, que
estabelece procedimento de exceção ao regime contábil de “caixa” das receitas,
tanto para a ótica orçamentária quanto para a patrimonial (conforme itens
“10.5” e “10.6”).
2. Determinar à STN –
Secretaria do Tesouro Nacional, na qualidade de Órgão Central do Sistema de
Contabilidade da União, que:
2.1) em atendimento
ao disposto no inciso II, do artigo 18 da Lei nº 10.180/2001:
2.1.a) oriente as
setoriais contábeis para que, quando da verificação do enquadramento dos
empenhos não liquidados às hipóteses listadas nos incisos do artigo 35 do
Decreto nº. 93.872/86, avaliem se referidas despesas orçamentárias já
transcorreram, sob a ótica patrimonial, o estágio do fato gerador.
2.1.b) estabeleça
sistemática de verificação dos empenhos não liquidados, de forma que seja
possível, quando da inscrição dos mesmos em restos a pagar,
identificá-los/classificá-los em “restos a pagar exigíveis” ou “restos a pagar
não exigíveis”.
2.2) em nome do
Princípio Contábil da Prudência, oriente as setoriais contábeis para que, caso
não seja possível verificar se os empenhos não liquidados transcorreram, sob a
ótica patrimonial, o estágio do fato gerador, inscrevam os respectivos valores
em “restos a pagar exigíveis”, registrando-os como despesa sob a ótica
patrimonial.
2.3) em nome do § 2º
artigo 50 da Lei de Responsabilidade Fiscal e do Princípio Contábil da
Prudência, abstenha-se de retificar no Balanço Patrimonial o montante dos
“restos a pagar exigíveis”, registrando-os como despesa sob a ótica
patrimonial.
2.4) em nome do
disposto nos §§ 1º e 2º, do artigo 43 da Lei nº 4.320/1964, volte a executar,
para os “restos a pagar não exigíveis”, a rotina de retificação de “restos a
pagar” utilizada anteriormente ao ano de 2007.
2.5) em obediência
ao disposto nos artigos 35, 39 e 104 da Lei nº 4.320/1964, bem como no Anexo de
nº 15 – Demonstração das Variações Patrimoniais, abstenha-se de registrar, sob
a ótica patrimonial, as receitas públicas pelo regime contábil da
“competência”.
3. Encaminhar cópia da
presente deliberação, dos relatórios (fls. 086/113 e 179/235), dos despachos
(fls. 114/124) e do voto que a fundamentam ao:
3.1) Procurador-Geral
da República, com vistas a instrumentalizar, se entender pertinente, possível
representação junto ao órgão competente do poder Judiciário da União, em
relação ao aparente conflito entre as Portaria Conjuntas STN/SOF nº 03/2008 e
STN/SOF nº 02/2009 com:
3.1.a) as competências estabelecidas pelo § 2º do
artigo 50 e pelo inciso III do artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar nº 101/2000), bem como com os mandamentos contidos nos artigos 35,
39 e 104 da Lei nº 4.320/64 (conforme item “16.10”); e
3.1.b) os conceitos
estabelecidos pelo inciso V do artigo 1º da Resolução nº 40/2001 do Senado
Federal e com os princípios e mandamentos plasmados no artigo 1º e no inciso II
do artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101/2000
(conforme item “17.29”).
4.
Em razão da complexidade e do
escopo dos assuntos tratados neste Processo, encaminhar cópia desta
deliberação, bem como dos relatórios, despachos e voto que a fundamentam:
4.1) ao Ministro de Estado da
Fazenda;
4.2) ao Ministro de Estado do
Planejamento, Orçamento e Gestão;
4.3) à Secretaria do Tesouro
Nacional;
4.4) à Secretaria de Orçamento
Federal;
4.5) à Comissão Mista de Planos,
Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional;
4.6) à Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado Federal;
4.7) à Comissão de Finanças e
Tributação da Câmara dos Deputados;
4.8) à Comissão de Fiscalização
Financeira e Controle da Câmara dos Deputados;
4.9) à Comissão de Fiscalização
Financeira e Controle da Câmara dos Deputados;
4.10) aos Tribunais de Contas
Estaduais;
4.11) aos Tribunais de Contas dos
Municípios;
4.12) ao Conselho Federal de
Contabilidade.”
10. O
Diretor da 1ª DT manifestou-se de acordo com a instrução, nos seguintes termos
(fls. 238/241):
“Atualmente,
e desde 1964, a contabilidade pública no Brasil tem como norma basilar a Lei nº
4.320, de 17 de março daquele ano. Essa Lei decorreu do comando constitucional
de 1946, art. 5º, inc. XV, alínea “b”, que estabelecia a competência da União
para legislar sobre normas gerais de direito financeiro e foi recepcionada pela
Constituição Federal de 1988 com status
de lei complementar, como já registrou em acórdão o Supremo Tribunal Federal em
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.726-5, de 1998.
Exige a atual Carta Política que a União
estabeleça as normas gerais de Direito Financeiro e que as normas de gestão
financeira sejam estabelecidas por lei complementar, conforme disposto no
inciso I e § 1º do artigo 24 e inciso II, § 9º do artigo 165. É a essa lei que
se devem reportar tanto os executores dos procedimentos contábeis quanto os que
fiscalizam a regularidade de tais procedimentos. É exatamente esse o âmago da
presente análise.
De
antemão, é necessário frisar que não se discute no presente processo mérito de
normas internacionais de contabilidade aplicadas ao setor público, muito menos
a decisão pela convergência da contabilidade pública brasileira àquelas. Se as
finanças públicas evoluem, evolução essa impulsionada, em grande medida, por padrões
internacionais, há que evoluir também a contabilidade a fim de adequar a
evidenciação do patrimônio.
Em
qualquer caso, contudo, a administração pública deve se pautar pela obediência
legal. Atua e avança sob o comando da lei. E disso decorrem algumas questões.
As alterações contábeis, advindas ou não do processo de convergência, atentam
contra o arcabouço normativo vigente? As inovações contábeis, que atingem não
só a União mas toda a Federação, estão sendo feitas pelas vias legais
permitidas e por quem de direito? Essa é a essência da questão que ora se
discute.
A
Secretaria do Tesouro Nacional estabeleceu, por meio de portaria, para todos os
entes da Federação a adoção de práticas e procedimentos contábeis que, dentre
outras questões, altera o regime de escrituração da receita pública e determina
a retificação (dedução) integral dos restos a pagar não processados no Balanço
Patrimonial. A receita passa a ser escriturada segundo o regime da competência
e os restos a pagar não processados são integralmente deduzidos (subtraídos) no
Passivo Não Financeiro.
Conforme
a bem fundamentada argumentação exposta na instrução de fls. 179/237, o regime
adotado pela Lei 4.320/64 para o registro da receita pública é o de caixa,
firmado no inc. I do art. 35 e no caput
do art. 39. Para que não restasse controvérsia acerca desse entendimento, o
legislador o evidenciou claramente no Anexo 15 da lei (Demonstração das
Variações Patrimoniais), no que se configura em interpretação autêntica do legislador. Disso decorre que o regime
de caixa para a receita é norma geral estabelecida pela Lei nº 4.320/64 e só
por lei complementar poderá ser alterado.
A
definição do regime de escrituração da receita afeta substancialmente os
montantes dos ativos apresentados no balanço do ente público. Quanto mais perto
do momento da entrada dos recursos no caixa, mais conservador será o regime de
escrituração. Ao adotar o regime de caixa, a Lei nº 4.320/64 optou pelo
princípio da prudência. Em outras palavras, o legislador permite que a receita
aumente o patrimônio público somente após seu ingresso efetivo, com exceção
apenas para os valores inscritos em dívida ativa.
Quanto
à retificação (dedução) integral dos restos a pagar não processados, a boa
prática contábil exige que qualquer retificação de balanço, quando permitida,
deve ser feita no próprio grupo de contas a que pertence a conta original, para
que outros grupos não tenham a informação prejudicada, porém, no caso em
questão, os restos a pagar não processados pertencem ao Passivo Financeiro, mas a retificação está sendo feita no grupo do Passivo Não Financeiro, prejudicando a
integridade da informação deste último. Está sendo feito dessa forma a fim de
preservar a regra constante no art. 43, § 1º, inc. I c/c § 2º do mesmo artigo
da Lei nº 4.320/64, que dispõe sobre o superávit financeiro para fins de
abertura de crédito adicional.
Ou
seja, a própria STN concorda que o Passivo
Financeiro deve contar com os restos a pagar em sua integralidade,
processados e não processados, para não afetar indevidamente o cálculo do
superávit financeiro, fonte de abertura para créditos adicionais. Veja-se o que
expressamente está orientado no item 9.2.1 do Manual da Despesa Nacional (pág.
81), transcrito a seguir:
“Com o
objetivo de evitar demonstrar um superávit financeiro inexistente, que pode ser
utilizado para abertura de créditos adicionais sem lastro, comprometendo a
situação financeira do ente, é recomendável que se proceda a execução da
despesa orçamentária mesmo faltando o cumprimento do implemento de condição.”
Na
impossibilidade de fazer a dedução dos restos a pagar não processados no
próprio grupo do Passivo Financeiro,
para não causar um aumento indevido do superávit financeiro, a STN está fazendo
a retificação no Passivo Não Financeiro,
e é exatamente neste ponto que se aponta a incorreção. Esse procedimento está
causando uma enorme confusão nas demonstrações contábeis da União. O impacto
tem sido de tal magnitude que, em alguns casos, o valor do Passivo Não Financeiro torna-se negativo, afetando
significativamente a integridade das informações apresentadas.
O que
ora se propõe é que os ajustes necessários para anular o impacto indevido no
patrimônio, dos restos a pagar não processados cujas despesas não tenham
transposto o respectivo fato gerador, seja efetuado no lado do Ativo, usando a
mesma rotina de inscrição adotada até 2006, devendo-se observar que, enquanto
não for possível segregar os restos a pagar não processados em exigíveis e não exigíveis, pelo princípio da prudência, considere todo ele como
exigível, deixando de efetuar qualquer ajuste.
A
Portaria Conjunta STN/SOF nº 3, de 15 de outubro de 2008, que aprovou os
manuais de receita e de despesa nacionais, determina no art. 6º a todos os
entes da Federação que a “despesa e a receita serão reconhecidas por critério de
competência patrimonial”. Agora em 2009, outra portaria conjunta da
Secretaria do Tesouro Nacional e da Secretaria de Orçamento Federal (Portaria
Conjunta STN/SOF nº 2, de 2009) dispõe que as “variações patrimoniais serão reconhecidas pelo regime de
competência Patrimonial”. As Portarias Conjuntas da STN/SOF nº 3, de 2008,
e nº 2, de 2009, estão anexas ao presente despacho.
Alteraram-se
os termos, mas em nada mudam a essência das questões ora discutidas e as análises
desenvolvidas no presente processo.
Antes, despesa e receita, agora, variações patrimoniais. O que antes era denominado de receita sob o enfoque patrimonial,
passou a ser chamado de variação
patrimonial aumentativa.
Por
fim, entende-se que o alcance dos efeitos pretendidos por estas Portarias
Conjuntas extrapola as competências do órgão central do sistema federal de
contabilidade definidas na Lei nº 10.180/2001 e também ultrapassa a competência
temporária de Conselho de Gestão Fiscal
que lhe fora estabelecida no § 2º do artigo 50 da Lei Complementar nº 101/2000.
É que para tratamento de tal questão, a Constituição Federal exige lei
complementar, conforme já evidenciado.
Do
exame das peças e da instrução lavrada, considero pertinentes as conclusões e
manifesto-me em concordância com as propostas de encaminhamento lançadas às
fls. 235/237 e submeto os autos à consideração do Sr. Secretário de
Macroavaliação Governamental.”
11. O
titular da Semag efetuou as seguintes considerações sobre o tema (fls. 248/256):
“(...)
6.
Inicialmente,
impende registrar que é de todo louvável
e necessário o esforço empreendido pelo Poder Executivo e pelo Conselho
Federal de Contabilidade no sentido de buscar a convergência dos procedimentos
contábeis com padrões internacionais. A Contabilidade é uma ciência social em
constante evolução e seu desenvolvimento está diretamente relacionado com as
mudanças do ambiente em que atua e a forma de organização das entidades. No
contexto da globalização, a harmonização internacional das normas contábeis
impõe-se como uma necessidade, em razão da integração dos mercados, e uma
exigência de investidores e credores, para viabilizar a comparação de
informações entre diferentes entidades.
7.
Entre os
benefícios da adoção dos padrões internacionais, apontam-se a facilidade para o
comércio internacional, a maior transparência das informações e,
consequentemente, o aumento da confiança dos investidores nas organizações, que
poderão gerar mais empregos e riqueza para o país.
8.
Especificamente
quanto ao processo de harmonização das normas contábeis aplicadas ao setor
público, o processo de convergência direciona-se para as Normas Internacionais
de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (IPSAS – International Public Sector Accounting Standards), desenvolvidas no
âmbito do Conselho das Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao
Setor Público (IPSASB – International
Public Sector Accounting Standards Board), braço da Federação Internacional
de Contabilistas (IFAC – International
Federation of Accounts). O IPSASB destaca que a adoção das IPSAS favorece a
melhoria das informações contidas nos demonstrativos contábeis elaborados pelo
setor público, especialmente quanto à alocação de recursos pelos governos,
aumentando a transparência e a accountability.
9.
Um dos
pontos principais das IPSAS consiste na adoção de uma contabilidade pública
patrimonial, com a adoção do regime de competência para as receitas e para as
despesas. Busca-se, desse modo, conferir maior transparência ao patrimônio
público. Nas palavras do Sr. Jesse Hughes, consultor do IPSASB, em palestra
proferida durante o I Seminário Internacional de Contabilidade Pública, que
aconteceu em Brasília em novembro de 2007, “fazendo
essa modificação para o regime de competência, no mundo como um todo, teremos
consistência para aqueles que adotarem essas normas, para que possam então
reconhecer os ativos totais nas mãos do governo e os passivos, também, do
governo.”
10.
Embora encoraje a adoção das IPSAS e a
harmonização das normas nacionais às normas internacionais, o próprio Conselho
reconhece o direito dos governos e órgãos normatizadores nacionais de
estabelecer normas de contabilidade e diretrizes para a elaboração de
demonstrativos financeiros em suas jurisdições. Considerando que alguns países
já possuem as suas próprias normas de contabilidade aplicadas ao setor público,
o IPSASB destaca a contribuição das IPSAS no desenvolvimento de novas normas ou
na revisão daquelas existentes, em prol da comparabilidade.
11.
A adesão
do Brasil a essa tendência de harmonização é observada tanto no setor privado,
quanto no setor público, constituindo exemplo regional em termos de adaptação
das normas internacionais. Contudo, como respaldado pelo IPSASB e como bem
demonstrado pelo trabalho desenvolvido pelos ilustres analistas desta Semag,
essa harmonização deve realizar-se em consonância com o processo de
normalização vigente no Brasil, ou submeter-se ao processo de alteração legal,
no âmbito do Congresso Nacional, conforme ocorrido com as mudanças de padrões
contábeis efetuadas no âmbito da contabilidade privada brasileira, como se
relata mais adiante.
12.
Não
havendo alteração do atual marco legal, a convergência, especificamente quanto
às normas de contabilidade aplicadas ao setor público, deve ocorrer com a
estrita observância dos preceitos constitucionais e legais que regulam as
normas de Direito Financeiro e de Finanças Públicas, em especial a Lei
n° 4.320, de 1964, recepcionada como lei complementar pela Constituição
Federal de 1988, e a Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal – LRF).
13.
No
esteio desse processo de convergência, em 14 de outubro de 2008, a STN e a
Secretaria de Orçamento Federal – SOF editaram a Portaria Conjunta n° 3,
que aprovou, para todos os entes da Federação, a padronização de conceitos,
regras e procedimentos de reconhecimento e apropriação contábil das receitas e
das despesas públicas. Em que pese o nobre objetivo das ações de convergência,
alinho-me ao entendimento de que duas das modificações realizadas carecem de
embasamento legal, conforme demonstrado na análise empreendida, de modo claro e
didático, na instrução às fls. 179/237. Essas alterações consistem na
alteração do regime de escrituração da receita pública e na retificação
(dedução) integral dos restos a pagar não processados no Balanço Patrimonial.
14.
No que
tange ao regime de escrituração da receita pública, determina a referida
portaria que seja adotado o regime de competência. Contudo, na Lei
n° 4.320, de 1964, verifica-se a opção do legislador pela adoção do regime
de caixa para as receitas públicas, como exaustivamente demonstrou o Auditor
Federal de Controle Externo na instrução retro mencionada.
15.
A
portaria editada pela STN e pela SOF modifica critério utilizado pela
contabilidade pública brasileira há quase meio século. O registro das receitas
públicas segundo o regime de caixa privilegia o princípio contábil da
prudência, tendo em vista as peculiaridades e o cuidado no trato do patrimônio
público. Demonstra, igualmente, a postura conservadora adotada pelo legislador,
uma vez que o impacto da receita no patrimônio público somente ocorre quando de
seu ingresso efetivo, com uma única exceção a essa regra, devidamente
explicitada na lei, qual seja, a inscrição de valores na dívida ativa.
16.
O regime
de escrituração das receitas públicas é uma norma geral estabelecida na Lei
n° 4.320, de 1964. Uma vez que essa lei tem status de lei complementar, somente por outra lei complementar o
regime pode ser alterado. E não poderia ser de outro modo, dado o impacto substancial que o regime de
escrituração da receita tem sobre os montantes dos ativos apresentados no
balanço do ente público.
17.
A
modificação de preceito tão caro à contabilidade pública deve ser
cuidadosamente analisada, pois traz consigo implicações consideráveis, conforme
relatado na instrução.
18.
No
contexto de harmonização com as IPSAS, é necessário que a alteração do regime
de caixa para o regime de competência para as receitas públicas ocorra em
conjunto com a mitigação de tais riscos. Impende desenvolver mecanismos que
garantam a gestão fiscal responsável, em observância ao disposto no § 1º
do art. 1º da LRF:
§ 1o A responsabilidade na
gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o
cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a
limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com
pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária,
operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de
garantia e inscrição em Restos a Pagar.
19.
Em razão
da complexidade do tema, bem como das regras constitucionais estabelecidas para
o processo legislativo, a adoção de novo regime contábil para as receitas
públicas não deve ser determinada por
meio de mera interpretação estabelecida em portaria. Do contrário, abre-se
precedente para a alteração arbitrária de outros aspectos tão relevantes quanto
esse, instaurando-se a insegurança no âmbito do Direito Financeiro.
20.
Em suma,
a definição do regime contábil, quiçá
uma das mais importantes definições da contabilidade, não pode ficar à mercê de
uma escolha circunstancial e circunscrita ao Poder Executivo, sem a
participação do Congresso Nacional, consoante determina o sistema de freios e
contrapesos (checks and balances)
estabelecido pela Constituição de 1988.
21.
Conforme
já mencionado, cabe destacar que o processo de convergência aos padrões
internacionais também ocorre no âmbito da contabilidade privada. Nesse
contexto, a Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976, principal normativo
da contabilidade privada no Brasil, foi alterada pela Lei n° 11.638, de 28
de dezembro de 2007. O objetivo das alterações propostas era a modernização e
harmonização da lei societária em vigor com os princípios fundamentais e
melhores práticas contábeis internacionais, visando à inserção do Brasil no
contexto de globalização econômica. Entre as alterações, destaca-se a
atribuição à Comissão de Valores Mobiliários de competência para expedir normas
em consonância com os padrões internacionais de contabilidade.
22.
Observa-se, pois, que no âmbito privado foi
explicita e legalmente atribuído a um órgão o papel de harmonizador das normas
nacionais com as normas internacionais de contabilidade, o que não ocorre na
contabilidade aplicada ao setor público. Desse modo, a STN está adstrita a
editar normativos que guardem estrita consonância com os dispositivos
constitucionais e legais que regem o Direito Financeiro, não podendo impor à
União, nem aos demais entes da Federação, inovações não respaldadas pelo nosso
ordenamento jurídico.
23.
É
fundamental que, a exemplo do ocorrido na contabilidade privada, a legislação
estabeleça procedimentos de governança que garantam a um só tempo estabilidade
e evolução dos procedimentos na contabilidade pública.
24.
Quanto à
dedução integral dos restos a pagar não processados no Balanço Patrimonial,
alega a STN que, com a modificação da rotina, o passivo passa a ser reconhecido
somente quando da ocorrência do fato gerador, no exercício seguinte.
25.
O fato
gerador é verificado no estágio da “liquidação” da despesa, pelo qual não
passam os restos a pagar não processados. Determina o caput do art. 35 do Decreto n° 93.872, de 23 de dezembro
de 1986, que os empenhos ainda não liquidados (restos a pagar não processados)
devem ser anulados ao final do exercício financeiro. Contudo, no próprio
dispositivo é reconhecida a possibilidade de que, se devidamente comprovado
pelo gestor público, empenhos ainda não liquidados sejam inscritos em restos a
pagar. Nem sempre há tempo hábil para que a liquidação ocorra dentro do mesmo
exercício financeiro do empenho, e, em alguns casos, a própria Administração
Pública reconhece, e até mesmo deseja, o pagamento da obrigação no exercício
seguinte, conforme incisos I a IV do art. 35 do Decreto 93.872, de 1986.
26.
A
evidenciação dos restos a pagar não processados no Passivo Financeiro do
Balanço Patrimonial está em estrita conformidade com o princípio da prudência,
impondo o menor valor para o patrimônio líquido do ente. Com a dedução
realizada pela STN, passa-se a informação de que as exigibilidades do período
seguinte são menores do que as registradas no Passivo Financeiro. Como apurado
no Relatório de Acompanhamento (fl. 97), os restos a pagar não processados
inscritos em 2006 somaram R$ 38 bilhões e em 2007, R$ 55 bilhões.
Trata-se, pois, de expressivos montantes aos quais deve ser dada a devida
transparência, nas demonstrações contábeis do ente público, em observância ao
princípio da evidenciação.
27.
Ademais,
como bem ressaltado pelo Diretor da 1ª Diretoria desta Semag, em despacho às
fls. 238/240, a retificação dos restos a pagar não processados é realizada
no Passivo Não Financeiro, isto é, em grupo de contas diferente daquele a que
pertence a conta original. Contrário à boa prática contábil, o procedimento tem
afetado significativamente a integridade das informações apresentadas nas
demonstrações contábeis da União.
28.
Quanto à
proposta de encaminhamento de cópia da deliberação que vier a ser adotada pelo
Tribunal ao Procurador-Geral da República, com vistas a instrumentalizar, se
entender pertinente, possível representação junto ao órgão competente do poder
Judiciário da União, em relação ao aparente conflito entre as Portaria
Conjuntas STN/SOF nº 03/2008 e STN/SOF nº 02/2009 com a legislação federal,
entendo desnecessária, no momento, tal
medida. No presente caso, cabe ao Poder Executivo tomar as medidas cabíveis
para adequação dos atos normativos ao entendimento do TCU. Durante a etapa de
monitoramento, caso se verifique a manutenção da aparente ilegalidade, poderia,
aí sim, ser proposto ao Tribunal que dê ciência da questão à Procuradoria-Geral
da República.
29.
Pelo
exposto, manifesto-me de acordo com a proposta de encaminhamento da instrução
às fls. 179/237, com as alterações já mencionadas, bem como acrescento o
item II da proposta de encaminhamento do relatório às fls. 86/113, com
recomendações à STN. Dessa feita, encaminhem-se os autos, com a seguinte
proposta de mérito, à consideração do Exmo. Sr. Ministro Raimundo Carreiro:
I) Firmar
os seguintes entendimentos:
I.1) no Brasil, as
normas contábeis editadas pelo órgão que fiscaliza a profissão contábil não
tem, no que se refere à contabilidade aplicada ao setor público, força de lei
(conforme item “2.8”).
I.2) os estágios do
empenho e da liquidação da despesa, sob o enfoque orçamentário, não se
confundem com o estágio do fato gerador da despesa, sob o enfoque patrimonial
(conforme item “3.9”).
I.3) restos a pagar
exigíveis são aqueles que já transcorreram, sob o enfoque patrimonial, o
estágio do fato gerador (conforme item “3.14”).
I.4) restos a pagar não
exigíveis são aqueles que não transcorreram, sob o enfoque patrimonial, o
estágio do fato gerador (conforme item “3.14”).
I.5) a análise dos
incisos I, II, III e IV do artigo 35 do Decreto nº. 93.872/86 implica análise,
em conjunto, da ocorrência ou não do estágio do fato gerador da despesa
(conforme item “3.19”).
I.6) o princípio
contábil da prudência determina que, na impossibilidade de verificação do
estágio do fato gerador, os empenhos não liquidados sejam classificados como
restos a pagar exigíveis, devendo ser considerados despesa, sob a ótica
patrimonial (conforme itens “3.20” e “3.23”).
1.7) no Brasil, à luz da
Lei nº 4.320/1964, o regime contábil das receitas, tanto no enfoque
orçamentário quanto no patrimonial, é o de “caixa” (conforme item “10.5”),
exceto quanto ao disposto no § 1º, do artigo 39, da Lei nº. 4.320/64, que
estabelece procedimento de exceção ao regime contábil de “caixa” das receitas,
tanto para a ótica orçamentária quanto para a patrimonial (conforme itens
“10.5” e “10.6”).
II) Determinar à STN – Secretaria do
Tesouro Nacional, na qualidade de Órgão Central do Sistema de Contabilidade da
União, que:
II.1) em atendimento ao
disposto no inciso II, do artigo 18 da Lei nº 10.180/2001:
II.1.a) oriente as
setoriais contábeis para que, quando da verificação do enquadramento dos
empenhos não liquidados às hipóteses listadas nos incisos do artigo 35 do
Decreto nº. 93.872/86, avaliem se referidas despesas orçamentárias já
transcorreram, sob a ótica patrimonial, o estágio do fato gerador.
II.1.b) estabeleça
sistemática de verificação dos empenhos não liquidados, de forma que seja
possível, quando da inscrição dos mesmos em restos a pagar,
identificá-los/classificá-los em “restos a pagar exigíveis” ou “restos a pagar
não exigíveis”.
II.2) em nome do
Princípio Contábil da Prudência, oriente as setoriais contábeis para que, caso
não seja possível verificar se os empenhos não liquidados transcorreram, sob a
ótica patrimonial, o estágio do fato gerador, inscrevam os respectivos valores
em “restos a pagar exigíveis”, registrando-os como despesa sob a ótica
patrimonial.
II.3) em nome do § 2º
artigo 50 da Lei de Responsabilidade Fiscal e do Princípio Contábil da
Prudência, abstenha-se de retificar no Balanço Patrimonial o montante dos
“restos a pagar exigíveis”, registrando-os como despesa sob a ótica
patrimonial.
II.4) em nome do
disposto nos §§ 1º e 2º, do artigo 43 da Lei nº 4.320/1964, volte a executar,
para os “restos a pagar não exigíveis”, a rotina de retificação de “restos a
pagar” utilizada anteriormente ao ano de 2007.
II.5) em obediência ao
disposto nos artigos 35, 39 e 104 da Lei nº 4.320/1964, bem como no Anexo de nº
15 – Demonstração das Variações Patrimoniais, abstenha-se de registrar, sob a
ótica patrimonial, as receitas públicas pelo regime contábil da “competência”.
III) Recomendar à
Secretaria do Tesouro Nacional que:
III.1) verifique junto às
unidades competentes, inclusive de outros Poderes, sobre as necessidades de
melhorias na rotina de registro da folha de pagamento, considerando que já
foram detectadas as seguintes:
III1.a) no caso de
servidor cedido sem ônus, hoje os usuários têm que manter um controle manual
dos valores pagos, pois não há mais o controle por conta corrente (CPF), apenas
o valor total de todos os servidores cedidos. Assim, não é possível saber o
valor a ser ressarcido ao Órgão cedente por cada órgão cessionário, caso seja
preciso solicitar esse ressarcimento;
III.1.b) o fato de não
aparecer a célula orçamentária, antes representada pela nota de empenho, na
Nota de Sistema - NS gerada para o usuário dificulta o trabalho de conferência.
O servidor entra no SIAFI, na transação CONFOLHA e analisa as informações no
próprio computador, olhando as telas de despesas dentro do CONFOLHA no SIAFI.
Outra conta contábil utilizada para conferência da folha é 29.213.03.01 –
Crédito Pago da Folha, mas nesta conta o saldo somente é registrado após a
emissão dos documentos financeiros na transação CONFLUXO (Ordem Bancária, DARF,
GPS, etc.);
III.1.c) no documento
FR, de reclassificação de despesa, utilizado para correção de lançamentos,
deveria haver um número maior de linhas a serem contabilizadas, pois há apenas
quatro linhas. Sugere-se um mínimo de doze linhas;
III.1.d) transação
CONFLUXO, após a homologação do documento FL, deveria continuar permitindo
efetuar a realização dos demais documentos, não relacionados com folha de
pagamento, por meio da classificação por credor ou por data e não apenas pelo
número do documento hábil. Isso facilita a homologação em dias em que há folha
de pagamento de pessoal, diárias e fornecedores, por exemplo, a serem pagos.
III.2) oriente os órgãos
quanto à constituição das provisões respectivas, ressaltando a sua importância,
bem como divulgando melhor a rotina de lançamento e a forma de cálculo do
montante dessas reservas.
IV) Em razão da
complexidade e do escopo dos assuntos tratados neste Processo, encaminhar cópia
desta deliberação, bem como dos relatórios, despachos e voto que a fundamentam:
IV.1) ao Ministro de
Estado da Fazenda;
IV.2) ao Ministro de
Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão;
IV.3) à Secretaria do
Tesouro Nacional;
IV.4) à Secretaria de
Orçamento Federal;
IV.5) à Comissão Mista
de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional;
IV.6) à Comissão de
Assuntos Econômicos do Senado Federal;
IV.7) à Comissão de
Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados;
IV.8) à Comissão de
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados;
IV.9) à Comissão de Fiscalização
Financeira e Controle da Câmara dos Deputados;
IV.10) aos Tribunais de Contas
Estaduais;
IV.11) aos Tribunais de Contas dos
Municípios;
IV.12) ao Conselho Federal de
Contabilidade.
V) Arquivar os presentes autos.”
É o relatório.
VOTO
O acompanhamento
realizado pela Semag acerca das alterações em procedimentos contábeis
promovidas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) identificou as seguintes
ocorrências:
a) alterações na
contabilização das receitas fonte tesouro;
b) registro de passivo sem
lastro orçamentário;
c) alteração na rotina de
suprimento de fundos;
d) alteração na rotina de
folha de pessoal;
e) alteração da forma de
contabilização do resultado do exercício dos fundos;
f) alteração da rotina de
inscrição de restos a pagar não processados;
g)
estabelecimento do regime de competência para o reconhecimento de receitas e
despesas.
2. Em
síntese, a unidade técnica atestou a legalidade das alterações promovidas na
contabilidade pública pela STN mencionadas nas alíneas “a” a “e”, destinadas a
melhorar as informações das demonstrações financeiras e a confiabilidade e
integridade dos registros.
3. A
respeito da ocorrência consignada na alínea “f” acima, a unidade técnica
considera que a STN, ao proceder à retificação dos restos a pagar não
processados no Passivo Não Financeiro, ou seja, em um grupo de contas diferente
daquele a que pertence a conta original (Passivo Financeiro), além de
contrariar a boa prática contábil, é um procedimento que afeta
significativamente a integridade das informações apresentadas nas demonstrações
contábeis da União.
4. Sobre
a adoção do regime de competência para o reconhecimento da receita pública
(alínea “g”), entende a Semag que essa medida – que aproxima a contabilidade
pública nacional dos padrões orientados por organismos internacionais - não tem
amparo na Lei n° 4.320/64, que estabelece o momento da arrecadação para o
reconhecimento das receitas (regime de caixa), exceção feita aos créditos
inscritos em dívida ativa, que devem ser reconhecidos após o transcurso do
prazo para pagamento. Qualquer mudança nesse sentido, no entender da unidade
técnica, deve ser precedida da pertinente alteração na legislação vigente.
5. Analisei
detidamente os argumentos trazidos aos autos pela Semag, pela Secretaria do
Tesouro Nacional (STN) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Recebi em meu gabinete o Dr. Gilvan Dantas, Subsecretário de Contabilidade
Pública do Tesouro Nacional, que deixou memorial sobre o assunto, anexado aos
autos às fls. 259/267. Em outra oportunidade recebi o Dr. Paulo Henrique Feijó,
Coordenador-Geral de Normas de Contabilidade Aplicadas à Federação do Tesouro
Nacional, acompanhado dos Advogados da União Drs. Rafaelo Abritta e Alexandre
Cairo, quando também recebi um memorial sobre as questões aqui discutidas, que
fiz juntar aos autos às fls. 268/271. Concluo por manifestar a minha anuência à
avaliação realizada pela Semag a respeito das ocorrências relatadas nas alíneas
“a” a “f” anteriormente descritas, e incorporo os sólidos argumentos que
apresentou como minhas razões de decidir. Quanto ao estabelecimento do regime
de competência para o reconhecimento de receitas (alínea “g”), faço as
seguintes observações.
6. Concordo
com o Sr. Secretário da Semag quando afirmou que “é de todo louvável e necessário
o esforço empreendido pelo Poder Executivo e pelo Conselho Federal de
Contabilidade no sentido de buscar a convergência dos procedimentos contábeis
com padrões internacionais. A Contabilidade é uma ciência social em constante
evolução e seu desenvolvimento está diretamente relacionado com as mudanças do
ambiente em que atua e a forma de organização das entidades. No contexto da
globalização, a harmonização internacional das normas contábeis impõe-se como
uma necessidade, em razão da integração dos mercados, e uma exigência de
investidores e credores, para viabilizar a comparação de informações entre
diferentes entidades.”
7. Nesse
sentido, o alinhamento das normas contábeis aplicadas ao setor público
brasileiro às normas internacionais requer a implementação de uma contabilidade
pública patrimonial, com a adoção do regime de competência para as receitas e
para as despesas, com o objetivo de conferir maior transparência ao patrimônio
público. Em síntese, o regime de
competência baseia-se na ocorrência do fato gerador e trata a receita sob o
enfoque patrimonial, enquanto que o regime de caixa baseia-se no ingresso dos
recursos e trata a receita sob o enfoque orçamentário.
8. Discute-se
neste processo se as ações de convergência adotadas no âmbito do Poder
Executivo a partir da edição da Portaria
MF n° 184/2008 e do Decreto
n° 6.969/2009 estão em consonância com os preceitos constitucionais e
legais vigentes que disciplinam a matéria, conforme defendem a Secretaria do
Tesouro Nacional (STN) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), ou os
contrariam, como sustenta a Semag. Após detida análise da questão, em que pesem
as razões didaticamente apresentadas pela unidade técnica, inclino-me a
concordar com a tese apoiada pelos citados órgãos.
9. O
controle dos créditos a receber tem relação com a "Contabilidade
Patrimonial" tratada no Capítulo III do Título IX da Lei n°
4.320/1964, bem como as disposições gerais
para a Contabilidade tratada no Capítulo I do mesmo título. O entendimento de
que, no Brasil, as receitas são reconhecidas sob o regime de caixa e as
despesas registradas de acordo com o regime de competência, é extraído do art.
35 da Lei nº 4.320/1964 (Título IV – Do Exercício Financeiro), verbis:
“Art. 35.
Pertencem ao exercício financeiro:
I – as receitas
nele arrecadadas;
II – as despesas nele empenhadas.”
10. Observe-se que o dispositivo acima
citado apenas diz que receitas
e despesas pertencem ao exercício financeiro, não determina em qual regime
contábil tais receitas e despesas públicas devem ser registradas. Por sua vez,
da leitura do art. 39 da citada lei, também incluído no Título IV (com a redação dada pelo Decreto Lei nº 1.735/1979), verifica-se a existência prévia de créditos da fazenda pública anteriormente à arrecadação, sejam eles
inscritos ou não em dívida ativa:
“Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não
tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem
arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.
§ 1º - Os créditos de que trata este artigo,
exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão
inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro
próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse titulo.
(...)”
11. Ainda,
o art. 104 da mesma lei indica que as alterações
verificadas no patrimônio podem decorrer de forma independente da execução
orçamentária:
“Art. 104. A
Demonstração das Variações Patrimoniais evidenciará as alterações verificadas no
patrimônio, resultantes ou independentes da execução orçamentária, e indicará o resultado patrimonial do exercício.”
12. Considero
que os artigos da Lei nº 4.320/1964 acima transcritos dão suporte ao entendimento da STN e da PGFN quanto à
necessidade do adequado reconhecimento, mensuração e evidenciação patrimonial dos créditos, inscritos
ou não em dívida ativa, anteriormente à sua arrecadação. Tais créditos
não devem permanecer ocultos dos balanços contábeis, ao contrário, devem ser
evidenciados pela contabilidade, permitindo
assim o acompanhamento de sua realização. Ademais, a Administração deve
proceder à correta evidenciação da composição do patrimônio público, dando
cumprimento ao disposto no art. 85 da Lei n° 4.320/1964:
“Art. 85. Os serviços de contabilidade serão
organizados de forma a permitirem o
acompanhamento da execução orçamentária, o
conhecimento da composição patrimonial, a determinação dos custos dos
serviços industriais, o levantamento dos
balanços gerais, a análise e a interpretação dos resultados econômicos e financeiros.” (grifei)
13. E
sobre o conhecimento da composição patrimonial a que se refere o art. 85 da Lei
nº 4.320/1964 acima transcrito, menciono o art. 101 da Lei nº 12.465/2011 (LDO
2012), que dispõe que os créditos tributários e não tributários a receber devem ser reconhecidos pela
contabilidade, verbis:
“Art.
101. A despesa não poderá ser realizada se não houver comprovada e suficiente
disponibilidade de dotação orçamentária para atendê-la, sendo vedada a adoção
de qualquer procedimento que viabilize a sua realização sem observar a referida
disponibilidade.
(...)
§ 4º Com vistas a assegurar o
conhecimento da composição patrimonial a que se refere o art. 85 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, a contabilidade
reconhecerá o ativo referente aos créditos tributários e não tributários a
receber.” (grifei)
14. Há
que se diferenciar o conceito patrimonial do conceito orçamentário e seus reflexos na apresentação das demonstrações
contábeis. Os créditos são reconhecidos
sob o aspecto patrimonial. Na medida em que são arrecadados e se tornam "caixa",
são escriturados como receita orçamentária no respectivo exercício (aspecto orçamentário). Tal procedimento segue o mesmo rito da inscrição em dívida ativa, que
somente se "transforma" em receita orçamentária depois que o
contribuinte liquida sua obrigação junto à fazenda pública. A grande diferença das
mudanças introduzidas e defendidas pela STN é que a contabilidade passa a
evidenciar o direito a receber em momento anterior ao da inscrição em dívida ativa,
permitindo o acompanhamento dos fatos posteriores, como a arrecadação
e a própria baixa do crédito que
porventura venha a ocorrer.
15. Assim,
os balanços patrimoniais da União (e dos demais entes da federação: estados, Distrito Federal e municípios) são
aprovados sem o registro de todos os ativos (direitos a receber) na contabilidade. Tomando-se como
exemplo o caso de uma prefeitura que envia o boleto de cobrança do IPTU para o contribuinte, pode-se verificar que
neste momento o contribuinte tem uma
obrigação a pagar e consequentemente a prefeitura deveria registrar o direito a receber
em contrapartida de uma variação patrimonial aumentativa. Tal registro não afeta
a receita orçamentária do município, portanto não amplia a capacidade de gastar. Atualmente, o registro do crédito a receber
somente é feito depois de inscrito em divida ativa. Mas é somente neste
momento que o setor público deve evidenciar os valores a receber? Como se pode saber quanto dos créditos
cobrados/lançados foram arrecadados antes de se inscrever em dívida
ativa? Esta informação não tem transparência nos balanços do setor público, pois não está registrado na contabilidade
o crédito cobrado e não pago. As mudanças propostas e realizadas pela STN visam evidenciar o montante dos
créditos lançados pela fazenda pública e ainda não arrecadados,
similarmente ao que acontece com os créditos inscritos
em dívida ativa. Vale ressaltar que todas as empresas estatais que utilizam o Siafi e já fazem esse registro, bem como algumas
autarquias, a exemplo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que
realizava o controle dos créditos previdenciários e administrativos desde 2000,
atividade posteriormente transferida para a Receita Federal do Brasil.
16. Portanto, esse é um aspecto que
reputo fundamental e decisivo para o deslinde da questão. A ausência de controle e evidenciação contábil dos créditos a receber favorece a ocorrência de fraudes nos diversos sistemas da administração pública federal que controlam os valores a receber
das autarquias, agências reguladoras, Receita Federal, Procuradorias e demais
órgãos e entidades que arrecadem receitas
públicas. Não são raros os casos
veiculados na imprensa de baixas indevidas em sistemas de multas dos Detran,
por exemplo, ou de débitos de IPTU,
IPVA e outros créditos da fazenda pública. O controle contábil desses créditos por meio dos balancetes e demonstrações
contábeis permite evidenciar os montantes de créditos baixados, esta informação importante para uma fiscalização
eficiente por parte do órgãos de controle interno e do Tribunal de Contas da
União.
17. Essa pode ter sido uma preocupação do legislador ao
obrigar todos os entes da federação a dar transparência
aos créditos
gerados pelo lançamento da receita (art. 48-A da Lei Complementar n° 101/2000 - LRF,
alterado pela Lei Complementar n° 131/2009):
“Art. 48-A. Para os fins a que se refere o
inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação
disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações
referentes a:
(...)
II - quanto
à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades
gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.” (grifei)
18. Ainda com respeito à LRF, destaco que a não evidenciação de todos os
ativos pelo princípio da competência
faz com que o setor público tenha um patrimônio líquido subestimado. Em consequência, o demonstrativo da
evolução do patrimônio líquido previsto no seu art. 4o, § 2°, inciso III, que é parte integrante do Anexo de Metas Fiscais,
não demonstra a real posição do patrimônio do setor público.
19. Ante o exposto, considero inegável
a importância, para uma gestão eficiente, do controle patrimonial e transparência dos créditos tributários a partir da fase do lançamento e
dos demais créditos a partir da ocorrência do fato gerador, e que
os procedimentos adotados pela STN não vão de encontro à legislação aplicável à
matéria.
20. Assim, entendo que a determinação
sugerida pela unidade técnica no item II.5 deve ser reescrita pelas seguintes
determinações à STN, na qualidade de Órgão Central do Sistema de
Contabilidade Federal:
a) adote
providências para que os órgãos que arrecadam receitas públicas registrem no
SIAFI e evidenciem, mensalmente, em contas do ativo do Balanço Patrimonial, o
estoque de créditos a receber, de natureza tributária e não tributária;
b) avalie a
necessidade de integração com o SIAFI dos sistemas de informação dos órgãos que
arrecadam receitas públicas, com vistas ao registro tempestivo e automático dos
créditos a receber, considerando a relação custo/benefício dessa integração;
c)
em conjunto com as setoriais contábeis, realize conciliação periódica, até o
fechamento contábil do mês de referência, entre os saldos contábeis dos
créditos, de natureza tributária e não tributária, registrados no Ativo, com os
valores de estoque de créditos dos sistemas de informação dos órgãos que
arrecadam receitas públicas.
21. Finalmente,
quanto à proposta de firmar entendimento no acórdão que proponho, o assunto é
discutido ao longo do relatório precedente e do presente voto e não é
necessário para a completa compreensão das determinações e recomendações
alvitradas.
Ante o exposto, VOTO no
sentido de que o Tribunal adote a deliberação que ora submeto ao Colegiado.
TCU, Sala das Sessões Ministro
Luciano Brandão Alves de Souza, em 01 de fevereiro de 2012.
RAIMUNDO CARREIRO
Relator
ACÓRDÃO Nº 158/2012 – TCU – Plenário
1.
Processo nº TC 026.069/2008-4
2.
Grupo II - Classe V - Assunto: Relatório de Acompanhamento
3.
Interessado: Tribunal de Contas da União
4.
Órgão: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)
5.
Relator: Ministro Raimundo Carreiro
6.
Representante do Ministério Público: não atuou
7.
Unidade Técnica: Semag
8. Advogado constituído: não há
9. Acórdão:
VISTOS,
relatados e discutidos estes autos do acompanhamento realizado pela Semag com o
objetivo de avaliar a legalidade de alterações em procedimentos contábeis que
provocaram impactos nos demonstrativos contábeis exigidos pela Lei
n° 4.320/64, bem como das normas internacionais de contabilidade aplicadas
ao setor público.
ACORDAM
os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do
Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. determinar à Secretaria
do Tesouro Nacional (STN), na qualidade de Órgão Central do Sistema de
Contabilidade da União, que:
9.1.1. oriente as setoriais
contábeis para que, quando da verificação do enquadramento dos empenhos não liquidados
às hipóteses listadas nos incisos do art. 35 do Decreto nº 93.872/86, avaliem
se as referidas despesas orçamentárias transcorreram, sob a ótica patrimonial,
o estágio do fato gerador;
9.1.2. estabeleça sistemática
de verificação dos empenhos não liquidados, de forma que seja possível, quando
da inscrição dos mesmos em restos a pagar, identificá-los/classificá-los em
“restos a pagar exigíveis” ou “restos a pagar não exigíveis”;
9.1.3. oriente as setoriais
contábeis para que, caso não seja possível verificar se os empenhos não
liquidados transcorreram, sob a ótica patrimonial, o estágio do fato gerador,
inscrevam os respectivos valores em “restos a pagar exigíveis”, registrando-os
como despesa sob a ótica patrimonial;
9.1.4. abstenha-se de retificar
no Balanço Patrimonial o montante dos “restos a pagar exigíveis”,
registrando-os como despesa sob a ótica patrimonial;
9.1.5. ante o disposto no
art. 43, §§ 1º e 2º, da Lei nº 4.320/1964, volte a executar, para os “restos a
pagar não exigíveis”, a rotina de retificação de “restos a pagar” utilizada
anteriormente ao ano de 2007;
9.1.6. adote as
providências necessárias para que todos os órgãos que arrecadem receitas
públicas registrem no SIAFI e evidenciem, até 31/12/2012, mensalmente, em
contas do ativo do Balanço Patrimonial, o estoque de créditos a receber, de
natureza tributária e não tributária;
9.1.7. avalie a
necessidade de integração com o SIAFI dos sistemas de informação dos órgãos que
arrecadam receitas públicas, com vistas ao registro tempestivo e automático dos
créditos a receber, considerando a relação custo/benefício dessa integração,
apresentando a este Tribunal os resultados, no prazo de 180 (cento e oitenta)
dias, acompanhado de cronograma de implantação;
9.1.8. em
conjunto com as setoriais contábeis, realize conciliação periódica, até o
fechamento contábil do mês de referência, entre os saldos contábeis dos
créditos, de natureza tributária e não tributária, registrados no Ativo, com os
valores de estoque de créditos dos sistemas de informação dos órgãos que
arrecadam receitas públicas;
9.2. recomendar à Secretaria
do Tesouro Nacional que:
9.2.1. verifique junto às
unidades competentes, inclusive de outros Poderes, sobre as necessidades de
melhorias na rotina de registro da folha de pagamento, considerando as
seguintes situações:
a) no caso de servidor cedido
sem ônus, hoje os usuários têm que manter um controle manual dos valores pagos,
pois não há mais o controle por conta corrente (CPF), apenas o valor total de
todos os servidores cedidos. Assim, não é possível saber o valor a ser
ressarcido ao Órgão cedente por cada órgão cessionário, caso seja preciso
solicitar esse ressarcimento;
b) o fato de não aparecer a
célula orçamentária, antes representada pela nota de empenho, na Nota de Sistema
- NS gerada para o usuário dificulta o trabalho de conferência. O servidor
entra no SIAFI, na transação CONFOLHA e analisa as informações no próprio
computador, olhando as telas de despesas dentro do CONFOLHA no SIAFI. Outra
conta contábil utilizada para conferência da folha é 29.213.03.01 – Crédito
Pago da Folha, mas nesta conta o saldo somente é registrado após a emissão dos
documentos financeiros na transação CONFLUXO (Ordem Bancária, DARF, GPS, etc.);
c) no documento FR, de
reclassificação de despesa, utilizado para correção de lançamentos, deveria
haver um número maior de linhas a serem contabilizadas, pois há apenas quatro
linhas. Sugere-se um mínimo de doze linhas;
d) transação CONFLUXO, após a
homologação do documento FL, deveria continuar permitindo efetuar a realização
dos demais documentos, não relacionados com folha de pagamento, por meio da
classificação por credor ou por data e não apenas pelo número do documento
hábil. Isso facilita a homologação em dias em que há folha de pagamento de
pessoal, diárias e fornecedores, por exemplo, a serem pagos.
9.2.2. oriente os órgãos
quanto à constituição das provisões respectivas, ressaltando a sua importância,
bem como divulgando melhor a rotina de lançamento e a forma de cálculo do
montante dessas reservas.
9.2.3. que, em atenção ao disposto na Lei
Complementar nº 131/2009 e Resolução CFC nº 1133/2008, alterada pela Resolução
CFC nº 1268/2009, inclua em notas explicativas informações relativas aos
montantes da receita reconhecida e da receita arrecadada no exercício.
9.3. encaminhar cópia deste
acórdão, relatório e voto: ao Ministro de Estado da Fazenda, ao Ministro de
Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, à Secretaria do Tesouro Nacional, à
Secretaria de Orçamento Federal, à Comissão Mista de Planos, Orçamentos
Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional, à Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado Federal, à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos
Deputados, à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados,
aos Tribunais de Contas Estaduais, aos Tribunais de Contas dos Municípios e ao
Conselho Federal de Contabilidade;
9.4. arquivar os autos.
10. Ata n° 3/2012 – Plenário.
11. Data da Sessão: 1/2/2012 – Ordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na
Internet: AC-0158-03/12-P.
13. Especificação do quorum:
13.1. Ministros presentes: Benjamin Zymler (Presidente), Valmir
Campelo, Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz (Revisor),
Raimundo Carreiro (Relator), José Jorge, José Múcio Monteiro e Ana Arraes.
13.2. Ministros-Substitutos presentes: Augusto Sherman Cavalcanti,
Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira.
(Assinado
Eletronicamente)
BENJAMIN ZYMLER
|
(Assinado
Eletronicamente)
RAIMUNDO CARREIRO
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Presidente
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Relator
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Fui presente:
(Assinado
Eletronicamente)
LUCAS ROCHA FURTADO
Procurador-Geral
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